Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Quarta-feira, 11 de Julho de 2007
Pausa
A exemplo do que aconteceu no ano passado em que, por esta mesma altura, resolvi fazer uma pausa na escrita, e considerando que essa decisão se revelou acertada, vou repeti-la.
Não sei quando regressarei em pleno, mas só o farei quando sentir que estou remoçado e preparado para um novo período frutuoso como o que agora termina.
Entretanto, poderão ocorrer situações que justifiquem o aparecimento ocasional de um ou outro post.
Quero agradecer a todos os que me tem lido e sobretudo aos que também me tem comentado (estes tem sido muito poucos em relação às minhas expectativas e aos meus desejos pois, como sabem, não escrevo para mim mas para ser lido).
Apesar de tudo, foi a presença dos mais assíduos que me fez escrever o que escrevi; senão já teria desistido há muito tempo.
E é também por vós (mas não só) que regressarei.

Saudações para todos e até breve.


publicado por António às 13:00
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Terça-feira, 3 de Julho de 2007
Histórias curtas XXVIII - Uma história banal
Manuel da Silva e Rosa Ferreira são dois reformados que estão casados vai para 57 anos.
Uniram-se, portanto, em 1950.
Ele tinha vinte e dois anos, ela dezanove.
Eram operários e viviam na mesma “ilha” da cidade do Porto.
Desde muito cedo se habituaram a conviver um com o outro: a rapariguinha era bastante nova mas depressa achou que o Manel, baixo, entroncado e pouco atraente, era um homem bem feito e bonito. Nos tempos da adolescência, já ele trabalhava numa caldeiraria para onde entrara depois de ter feito a 4ª classe e a mocita não era mais que a simpática Rosinha que, depois de completada a escolaridade obrigatória, arranjou emprego numa fábrica têxtil.
Ela bem lhe fazia olhinhos mas, naquela fase, três anos de diferença na idade podem ser muito. E como ela era franzina e tímida, o moçoilo não se deixava enfeitiçar.
Até que, quando tinha os seus quinze ou dezasseis anos, a rapariga modificou-se como que de repente. Ganhou corpo, ganhou brilho nos olhos, ganhou um encanto que não passou despercebido aos outros rapazes e lá na fábrica onde era tecedeira começaram a aparecer-lhe muitos pretendentes.
Quando, num fim de tarde, o Manel regressava a casa e viu a Rosa chegar acompanhado por outro, só a custo a reconheceu.
Mas como ela estava mudada! Como estava uma rapariga bonita! Como não reparara ainda nas transformações que se haviam operado?
E sentiu ciúmes.
Não tardou muito que, apesar de os tempos não serem fáceis pois a segunda guerra tinha acabado há pouco e o regime de Salazar não era nada simpático para com o proletariado, começaram a namorar. E ao fim de três anos casaram modestamente, numa capela da zona, pois queriam juntar dinheiro para arranjar uma casa melhor para eles e para os filhos que gostariam de ter.
Ela era muito mais interessante do que o rapaz no que à aparência diz respeito, mas era nos olhos e cabelos muito negros e encaracolados do seu Manuel que a Rosa via a felicidade.
Tinha agora a estatura do marido, o rosto muito perfeito com dois olhos azuis lindíssimos, um cabelo bastante claro e ondulado, uma silhueta elegante e a voz macia.
Depois do casamento ainda estiveram dois anos a viver num canto da pequena casa dos pais dela e não quiseram ter filhos porque o espaço era demasiado exíguo.
Tempos complicados: dois colegas do Manuel da Silva, ao que diziam pertencentes ao partido comunista, foram presos pela PIDE. Nunca mais voltaram ao trabalho. Ouviu dizer que tinham estado presos e depois fugiram para o estrangeiro. Pela primeira vez ouviu falar em Mário Soares e, sobretudo, em Álvaro Cunhal. Mas a sua política era o trabalho. Não estava para arriscar o emprego para se meter num caminho que poderia ser demasiado árduo de trilhar. Todavia, sentia a opressão do patronato sobre os trabalhadores, mesmo os seus, que eram considerados uns bons patrões. Era a luta de classes, diziam-lhe. Por isso não gostava do regime. Por essa e por várias outras razões, sobretudo as que se prendiam com as liberdades.
Na fábrica da Rosa Ferreira as coisas eram mais pacatas. Duas ou três colegas estavam mais ligadas aos movimentos operários, mas nunca ocorreram casos graves como na caldeiraria.
Finalmente alugaram uma pequena casinha na zona de Francos para onde foram viver e tiveram um filho, o José.
Não ganhavam muito mas os proprietários das fábricas onde laboravam pagavam certinho e isso dava-lhes estabilidade.
Depois do Zézinho, em 1954, nasceram o João, em 1957 e a Olinda em 1960, dez anos após o casamento.
A casa era agora pequena mas o Manuel foi promovido e teve um razoável aumento salarial.
Graças ao crescimento económico dos anos 60 o seu nível de vida subiu e, não só mudaram para uma casa na zona do Carvalhido como resolveram pôr os filhos a estudar.
O mais velho, depois da escola primária foi para a industrial onde tirou o curso de torneiro-mecânico.
O João seguiu também para uma escola industrial mas tirou o curso de construção civil.
Finalmente, a rapariga fez o segundo ciclo dos liceus e foi para a Escola do Magistério Primário tornando-se professora.
E assim em 1978, todos os filhos tinham uma profissão e só a jovem ainda residia em casa dos pais.
O Manel tinha então cinquenta anos e a Rosa quarenta e sete.
Mas, a revolução do 25 de Abril, se inicialmente trouxera muitas esperanças e melhorias acentuadas ao nível salarial das classes trabalhadoras, também começou a trazer desemprego por encerramento de muitas fábricas.
Entretanto, a Olinda casara e os velhos viviam sós.
Em 1992 a fábrica onde laborava a Rosa fechou. Ela já fizera sessenta anos e reformou-se.
No ano seguinte, com sessenta e cinco anos, foi a vez dele deixar a vida activa.
Mas os netos haviam aparecido paulatinamente e eram agora a principal razão de viver do velho casal.
Entretanto, o Zé divorciou-se da mulher e foi viver com uma flausina qualquer para grande desgosto dos pais.
E os anos foram passando, as maleitas aparecendo, mas ambos sempre unidos como se tivessem casado há pouco tempo.
Quando fizeram as bodas de ouro os filhos ofereceram-lhes uma linda festa.
Não eram muito velhos, mas estavam desgastados por uma vida que nunca foi fácil.
Nesse dia comoveram-se.
Hoje, ainda estão vivos.
Ele, com setenta e nove anos, além de outros males viu os médicos diagnosticarem-lhe a doença de Alzheimer.
Ela, sempre doente de muitos padecimentos mas sempre resistente, tem setenta e seis e prepara-se para amparar o seu Manel na fase terminal da vida.
Parece ser a sina das mulheres...
Os descendentes vão aparecendo lá por casa: uns mais, outros menos, mas não lhes falta companhia.
Um, não verão mais: o Zé, depois de se meter com a sirigaita, começou a mirrar e faleceu no ano anterior com problemas respiratórios e cardíacos. O tabaco que tão bem lhe soubera ao longo dos anos dera o maior contributo para o seu fim aos cinquenta e quatro anos.
Grande desgosto para os velhotes.
Mais para ela, pois o Manel já começava a ficar muito alheado do mundo que o rodeava.
As conversas entre os dois foram cada vez mais perdendo o sentido.
A Rosa começou a sentir-se uma viúva com o marido vivo e ali ao seu lado.
O velho e exemplar casamento estava no princípio do fim. Ela sabia-o bem.
Mas as recordações boas são tantas e tão fortes que lhe darão ânimo para caminhar o percurso que lhe falta andar.
E o seu Manel merece tudo!


publicado por António às 15:15
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