Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Domingo, 30 de Dezembro de 2007
Histórias curtas XXXV - No Salto do riacho
A Olga e a Dalila eram duas irmãs muito amigas, únicas filhas do engenheiro Luís Andrade e da sua mulher, a professora de Ciências, Ester.
A mais velha tinha dezassete anos e a outra, menos um.
Há já alguns anos que costumavam ir passar uma temporada, na estação estival, para os contrafortes da serra, no Minho litoral, numa velha casa que fora dos avós paternos e que o pai remodelara para a tornar mais confortável.
A habitação, rural, de paredes de granito, tinha um piso térreo que servira de armazém para cereais e de local para guardar uns galináceos, coelhos, porcos e mais algumas variedades animais. Agora era a garagem e o local para o engenheiro se entreter a brincar de marceneiro.
Umas escadas da mesma rocha granítica e com um corrimão em ferro pintado de verde, como a caixilharia em madeira das janelas, levavam ao piso superior onde uma moderna cozinha, uma sala bem confortável, três quartos, uma casa de banho e uma pequena instalação sanitária eram suficientes para os quatro no tempo sereno das férias.
Nesse ano resolveram levar para lá a prima Simone, também com dezasseis anos, que ficou a dormir no quarto mais pequeno, enquanto as manas partilhavam o mesmo aposento.
Ficava a velha casa junto a uma estrada municipal, estreita e de pavimento em alcatrão esburacado devido aos seus muitos anos e pouca manutenção, com poucas habitações nas vizinhanças, formando uma minúscula aldeia. Um lugarejo, melhor dizendo. Algumas permaneciam vazias durante todo o ano, só recebendo os seus proprietários no período de verão.
Duas eram de famílias de emigrantes em França, mas as relações que mantinham com os Andrade não eram as melhores: para uma delas, vinha um casal, os Sousa, cujos dois filhos preferiam passar férias campistas no Algarve; para a outra vinha uma família com avós, filhos e netos.
O velho casal Pereira vinha para a casa de onde haviam partido para fazer vida noutras paragens, Com eles vinham as filhas e os genros. A mais velha, Margarida de seu nome, era casada com o Maurício e não tinham descendentes. A outra, a Assunção, além do seu Manuel trazia os dois rapazotes: o João, com dezanove anos, atrevido, malcriado, baixo e gordalhufo e o coitado do António que um escaldão com água fervente quando era pouco mais que um bebé deixou com o rosto transfigurado que nem várias cirurgias plásticas tinham conseguido minorar de forma radical. Uma delas chegou mesmo a piorar o seu aspecto pouco menos que monstruoso. Tinha agora quinze anos e muitos traumas psicológicos que faziam dele um solitário.
As filhas do Andrade detestavam os rapazes.
Mas havia outros habitantes na pequena aldeia.
Além de vários idosos, o Zé Moreira e a Ernestina eram os mais abastados: além de alguns terrenos de minifúndio, ela tinha uma loja que, sendo a única, era café, tasca, botica e mini mercado; eram agentes de uma companhia de seguros e dum banco, além de posto dos correios e até um computador para uso da Internet lá puseram.
O seu único filho, o Amadeu, já tinha vinte e cinco anos e ainda estudava Electricidade na cidade mas passava uma parte do verão a ajudar os pais. Todavia, preguiçoso como era, não tinha a utilidade que eles pretendiam.
 
- Amanhã de manhã vamos para o Salto, tomamos banho, merendamos e vimos antes do sol se esconder? – propôs a Dalila às outras duas.
- Boa ideia! – aquiesceu a Olga.
- Já lá não vou há dois ou três anos! Aquilo é tão giro... – aprovou, tacitamente, a Simone.
- Então vamos falar com a mãe e preparar as coisas – disse entusiasmada a mana mais jovem.
E assim, na manhã seguinte, já o sol ía alto quando abalaram as três com roupas e alguns utensílios de praia, uma lancheira para a comida, a mala térmica para os refrigerantes e uma manta. Seguiram cerca de um quilómetro a pé pela estrada para nascente até ao ponto onde havia um carreiro aberto por entre os silvados e outra vegetação de baixo porte, pinheiros e eucaliptos. Mais quinze minutos e estavam na clareira onde o rio, que era mais ribeiro do que rio, deixava cair as suas águas do cimo de um rochedo com cerca de seis metros para uma curiosa concha natural que estava cheia de líquido formando uma pequena lagoa cuja conteúdo depois corria para jusante, saltitando por entre pedras arredondadas pela erosão. Estavam no local conhecido como o Salto.
Era na concha que costumavam banhar-se.
- Atenção, meninas! – avisou a Olga, branca e aloirada – Não se esqueçam que junto da rocha alta é muito fundo. Nadem na zona em que há pé.
- Nós sabemos! – disse a Dalila, ruiva e sardenta como a mãe.
Estenderam a manta e despiram-se, ficando em biquini.
As mais novas foram logo brincar para a água enquanto a mais velha se esticou ao sol quente dessa manhã.
- Vamos pôr-nos nuas? – sugeriu a azougada filha mais nova do Andrade.
- Vamos! – anuiu, de imediato, a prima Simone, morena e um pouco anafada.
A que estava esticada como uma lagartixa achou que a ideia não era má pois assim poderia bronzear-se de forma mais completa, e pouco depois estavam todas como Eva no Paraíso.
A Olga não demorou muito a ir molhar-se mas rapidamente voltou para a toalha colocada sobre uma formação rochosa onde deixou o sol secar a sua pele clara e macia.
Mas, um ruído de alguém a mexer-se no matagal chamou a sua atenção.
- Meninas! Vistam já os biquinis. Acho que está ali alguém a espiar-nos – gritou para as outras enquanto se vestia.
A irmã e a Simone vieram rapidamente, vestiram as minúsculas peças de banho, e juntaram-se à Olga.
- Tens a certeza? – perguntou a prima com um ar de apreensão.
- Não sei! Pode ser um animal – esperem aqui que eu vou dar uma espreitadela.
Levantou-se resoluta e caminhou para o ponto de onde viera o som que a alarmara.
De repente, um vulto que estava acocorado ergueu-se e começou a correr pelo meio da mata.
- Estava aqui alguém! Era um homem, mas não consegui ver mais nada – alertou quando chegou junto das outras duas.
- Vamos embora! Estou com medo! – disse a Simone.
- Ora! Se já se foi embora podemos comer primeiro – alvitrou a destemida Dalila.
E assim fizeram. Mas o pic-nic não foi nada agradável pois no ar pairava o espectro do homem misterioso.
Logo depois encetaram o regresso, embora a contra gosto da Dalila.
- É melhor não dizer nada aos pais senão eles ficam aflitos e nunca mais nos deixam ir ao Salto – propôs a desempenada jovem.
- Talvez tenhas razão! – disse a mais velha.
Passados dois dias a Dalila avançou com a ideia de irem novamente ao Salto.
- Nem penses nisso – replicou a Simone.
- Claro que não! – corroborou a Olga.
Mas a jovem destemida e aventureira continuou a magicar:
- Hei-de saber quem é que nos esteve a espreitar.
E, passados mais três dias, resolveu sair de casa sozinha, a meio da manhã, dizendo a todos que ía dar uma volta na velha e já enferrujada bicicleta do pai Andrade.
Saiu a pedalar e rumou pela estrada para leste, não sem antes fazer barulho suficiente para que as pessoas que viviam no lugarejo pudessem perceber que ía sair.
Quando chegou ao carreiro escondeu o velocípede e atravessou para o outro lado da rua esperando que aparecesse alguém.
Não tardou muito que visse um vulto de homem que, antes de atingir esse ponto, se embrenhou no mato.
- Será mesmo aquele o tipo que nos espiou da outra vez? Quem diria! – pensou para consigo – O sítio por onde meteu deve ir dar ao Salto. Vou por lá!
E, na imaturidade dos seus verdes anos, penetrou a mata no ponto onde o perseguidor o fizera.
Mas esse caminho estava pouco desbravado e não tardou a ficar com várias arranhadelas no corpo. Mas nem isso a demoveu. Lentamente foi avançando até chegar junto do descampado onde ficava a concha.
Parou!
Olhou à volta mas não viu ninguém.
Onde estaria o mariola?
Baixou-se o mais que pôde quando, vindo sem saber de onde, sentiu um corpo tombar sobre ela.
- Ó minha linda! Agora vais despir-te para brincarmos os dois – disse uma voz de homem.
A rapariga sentiu-se manietada mas, pior do que isso, gelou ao contacto com a lâmina fria de uma faca de mato junto ao pescoço.
O atacante, homem forte, procurou então rasgar-lhe a roupa. Usou a faca mas provocou um ligeiro ferimento que sangrou. Espetou a arma branca no solo e passou a usar as mãos grandes para desnudar a jovem.
Esta, sempre lesta a raciocinar e a agir, enquanto se debatia com todas as forças que tinha conseguiu agarrar o cabo do esquecido objecto de morte e espetou-o no ombro do meliante fazendo com que este desse um grito e aliviasse a pressão que sobre a rapariga exercia o que permitiu à Dalila escapulir-se com a roupa rasgada mas com a faca na mão.
Foi para o descampado e depois meteu pelo carreiro mais liberto de silvado que havia usado com as outras; andou o mais depressa que pode até à estrada.
Nem se lembrou da bicicleta!
Continuou a corrida até entrar em casa, esbaforida.
- Que aconteceu? – perguntou a mãe, estupefacta ao ver o quadro que tinha diante de si.
- Já não há perigo! Conto daqui a um bocadinho! Deixa-me descansar – disse, enquanto se estendia num sofá e deixava que a respiração se tornasse menos ofegante.
Apareceu o resto da família.
Finalmente contou o que se passara mas sem referir quem fora o agressor.
- Mas afinal quem era o sacana? – perguntou o Luís Andrade já um tanto exasperado com tanto suspense.
- Deve ter sido o mesmo que nos espiou no outro dia lá no Salto...imaginem: o Amadeu da Ernestina e do Zé Moreira – revelou, finalmente, a moça.
Todos ficaram boquiabertos e calados durante algum tempo.
- Mas que bandido! Agora temos de apresentar queixa na Guarda – falou o pai.
- Mas antes vamos ao Centro de Saúde para tratar dessas arranhadelas todas que tens no corpo – disse a mãe.
- Tu és danada! – interveio a Olga em tom de censura e abanando a cabeça.
- Acho que vou escrever o argumento para um filme – rematou, a rir, a valente Dalila.


publicado por António às 19:19
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Terça-feira, 25 de Dezembro de 2007
Noite de paz, noite de amor...
Noite de consoada!
A lua brilhava intensa no céu azul-marinho e as estrelas refulgiam como luzes de um pinheiro de Natal.
A neve caíra e pintara de branco a paisagem normalmente multicolor.
Dentro da casa, o pai estava sentado a ver televisão, a mãe na cozinha a fazer a doçaria e a cozer o bacalhau, as batatas e as couves, e as duas criancinhas esgadanhavam-se mais que de costume: afinal esta era a noite de paz e de amor. 
Depois chegaram os sogros do homem.
Logo após entrarem e descarregarem vários embrulhos junto da árvore de plástico amigo do ambiente, beijaram o neto e a neta, fizeram o mesmo à filha e cumprimentaram com um sorriso oriental o dedicado e trabalhador pai para quem a família era uma prioridade: Deus, Pátria e Família. 
A velha voltou para a cozinha onde se propôs ajudar a filha segredando-lhe que tinha uma caixinha de estricnina que podia ser um bom condimento para a comida do marido. A filha fez um esgar de aprovação e as duas labutaram com afinco para que a última ceia do homem fosse plena de dignidade.
Afinal era a noite da paz e do amor.
O velho sentou-se no sofá ao lado do genro, pegou no telecomando e mudou para um canal onde estava a ser transmitida uma novela nigeriana que ele seguia atentamente há quasi quatro anos e meio.
O anfitrião faz cara de poucos amigos e esperou que o avô fosse fazer um xixi ao seu local favorito, da varanda para a rua, para mudar o canal para um programa de cultura futebolística e, de seguida, esconder o apetrecho.
Quando o velho regressou, pediu berrando com bons modos para que lhe dessem o telecomando, mas o outro manteve-se impávido e só apontava para os filhos.
O fervoroso telespectador das novelas pediu aos jovens para lhe devolverem o objecto do poder mas eles responderam que não sabiam onde estava e continuaram a lutar com a ferocidade dos animais selvagens.
Finalmente, o homem mais velho descobriu o telecomando e ligou novamente para o canal da novela.
Acto contínuo, o anfitrião foi à varanda e atirou um vaso para o tejadilho do carro do amado sogro voltando para o seu lugar com um sorriso escarninho.
Pouco depois a dona da casa avisou:
- Todos para a mesa! Não se esqueçam de se lavar.
As conversas mais imbecis proliferaram na mesa onde uma posta de bacalhau, especial para o homem, foi por este comida ávida e gostosamente.
Pouco depois entrou em convulsões até ficar quedo, estendido no chão, olhos revirados e língua dobrada.
Quando chegou o 112...já era defunto.
E assim foi uma noite de paz e amor.
 
Mas perguntarão o que aconteceu às mulheres...
Isso já não faz parte da história: decidam os prezados leitores.


publicado por António às 14:32
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Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2007
As férias do Sr. Ó, da Guarda
O Sr. Epaminondas do Ó, da Guarda, era um jovem sexagenário, esquelético e frágil como o Tarzan, funcionário público numa empresa privada, que vivia só desde o seu feliz matrimónio.
O Sr. Ó resolveu fazer uma viagem de férias e para isso programou uma volta por Portugal, visitando Madrid, Paris e Roma.
No dia da partida chegou cedo ao aeroporto para apanhar a trotinete que o levaria pelo rio acima.
Quando chegou à capital da Patagónia dirigiu-se ao hotel previsto mas teve logo grandes problemas para estacionar a sua viatura; todavia, a sua fluência em aramaico salvou-o de uma situação que poderia ter sido embaraçosa e mesmo arrastá-lo para as masmorras do Escorial.
Depois de três dias nesse ponto da visita voou de bicicleta para a cidade da luz onde o nevoeiro era denso e impenetrável. A capital da Cochinchina era uma urbe de encantar e por lá andou vários dias e noites até que conheceu uma índia sioux que tinha vindo do Sahara e lhe ensinou a dança da chuva podendo assim lavar o nevoeiro com um duche celestial. Mas teve de comprar uma canoa onde seguiu para a cidade que fora capital do império mongol. Dentre as muitas coisas belas que apreciou não mais esqueceu a recepção dada pelo Dalai Lama que o convenceu a praticar yoga para o que teve de comprar uma bola e umas chuteiras.
As férias aproximavam-se do fim e o Sr. Ó, da Guarda, voltou à sua cidade Páscoa usando uns patins de quatro linhas.
No regresso ao trabalho contou aos colegas as suas aventuras e estes decidiram fazer, todos juntos, uma viagem idêntica, pela Internet.


publicado por António às 13:09
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Terça-feira, 11 de Dezembro de 2007
Histórias curtas XXXIV - Ao serviço da Santa Madre Igreja
Reconversão do texto “Diálogos de gente XIII – O padre e a beata” de 19 de Maio de 2006
 
Carmen era uma simpática mulher de trinta e muitos anos, solteira, alta e magra, muito religiosa, que estava na Igreja fazendo as suas orações.
- Ora aqui está uma menina como há poucas! – disse uma voz suave, de homem.
A mulher olhou para trás e viu o padre Jacinto, de sorriso aberto.
- Boa tarde, senhor padre!
- Boa tarde, menina Carmen! É com muito gosto que venho apreciando a sua grande devoção. Estou nesta igreja há muito pouco tempo mas não podia deixar de reparar que vem cá todos os dias depois do almoço.
- Mas como é que o senhor padre sabe o meu nome? – perguntou a solteirona.
- Ora! Ora! Tenho obrigação de conhecer os paroquianos mais assíduos – esclareceu o novo pároco.
Era um homem dos seus cinquenta anos, cabelos todos brancos e tendo uma figura interessante. Pelo menos era considerado como tal por muitas das mulheres que frequentavam aquele templo católico.
Olhou para toda a nave e viu que só lá estava mais uma velhinha que também fazia as suas orações diariamente, àquela hora.
- Quando acabar, gostava de falar consigo, menina Carmen. Pode ir ter comigo à sala junto da sacristia? – pediu o sacerdote.
- Com todo o gosto, senhor padre – anuiu a crente que, ao mesmo tempo, teve uma estranha sensação ao longo da coluna. Aquele padre Jacinto deixava-a um pouco fora de si.
- Então até já! – despediu-se o clérigo que se deslocou com o seu fato preto para a porta de acesso à sacristia.
A mulher seguiu-o com o olhar, observadora e intrigada.
Passados pouco minutos levantou-se e dirigiu-se para a mesma porta.
Abriu-a e viu, sentado a ler uma revista religiosa, o padre.
- Posso entrar?
- Com certeza, menina Carmen! – disse o homem – Vamos então sentar-nos nesta mesinha e conversar sobre o assunto que me levou a chamá-la aqui.
A mulher sorriu e sentou-se em frente do reverendo Jacinto que a olhou com um sorriso um tanto concupiscente.
- Eu sei que é solteira e vive só. Que não tem familiares próximos e não tem namorado. Sabe porque sei isto, não sabe? Porque mo disse em confissão. Claro que eu não o vou revelar a mais ninguém – começou o padre.
A mulher corou, fez um sorriso de ingénua, mas nada disse. E ele continuou:
- Penso que tem disponibilidade para dedicar mais algum tempo às obras da Igreja. Como sabe, a D. Inocência, que organizava as viagens para os paroquianos juntamente comigo, foi a enterrar há dois dias. Deus tenha em paz a sua alma – disse, enquanto levantava os olhos para o tecto e se benzia.
- Era muito boa senhora! – interveio a beata.
- Pois eu gostava de a convidar para substituir a defunta senhora. – sugeriu o homem – Que me diz?
A mulher ficou com o rosto parado durante uns segundos mas pouco depois fez um belo sorriso e disse:
- Sinto-me muito honrada pelo seu convite. E, em princípio, aceito. Mas gostava que me desse um tempinho para reflectir e responder-lhe definitivamente.
- Com certeza! Se quiser, amanhã eu passo por sua casa para saber a resposta. Ou prefere dar-ma aqui na Igreja? Eu digo isto porque tenho alguma urgência. Gostaria de recomeçar o mais depressa possível a tratar do próximo passeio mensal que terá lugar no fim-de-semana depois deste. As acções necessárias foram interrompidas pela curta doença e passamento da D. Inocência.
A mulher pensou um pouco e respondeu:
- Está bem! Pode passar lá por casa. Mas então prefiro que seja à noite. Sempre é mais escuro e não gosto que as más-línguas comecem a falar. Só não percebo como sabe onde eu moro!
- Pois claro! Só me propus ir a sua casa porque sei que vive num andar e, portanto, não a vou comprometer, seguramente. Senão, nem pensar em lá ir! Quanto ao saber onde mora...nunca ouviu falar no Espírito Santo de orelha?
A mulher riu-se e retorquiu:
- Então, se aparecer hoje por voltas dos oito da noite, até pode jantar comigo.
O padre simulou uma cara de espanto como se não contasse com tamanha disponibilidade para servir tão devotadamente os desígnios divinos, mas o seu antecessor tinha-lhe passado o serviço a preceito. Levantou-se e disse com um sorriso rasgado:
- Lá estarei! Eu acompanho-a à porta. E espero que logo ao jantar já possamos conversar sobre a sua actividade.
Ela levantou-se também, começou a caminhar em direcção à saída e rematou:
- Em princípio, eu estou pronta a fazer tudo para agradar a Deus e à Santa Madre Igreja.
E não lhe faltava tempo. Além de viver só, herdara de um tio que não deixara descendência directa uns terrenos que vendera e ainda uma boa maquia em dinheiro. Comprara o seu apartamento perto da Igreja, deixara o seu emprego de costureira que laborava para uma modista com boas clientes e passou a fazer alguns trabalhos em casa para meia dúzia de senhoras abastadas que seleccionara dentre as que utilizavam os serviços da antiga patroa. Isso e os rendimentos que lhe davam os Certificados de Aforro que fizera permitiam-lhe encarar o presente e o futuro sem medo.
 
Às oito em ponto o reverendo Jacinto estava a tocar à campaínha da porta do apartamento pois a anfitriã já tinha vindo cá abaixo para deixar a porta da rua só encostada.
- Faça o favor de entrar, senhor padre – disse ela, mal franqueou a entrada.
- Muito obrigado! – respondeu o pároco enquanto se introduzia na habitação da interessante mulher.
Esta fez menção de lhe beijar a mão mas ele não o permitiu.
- Não estamos em nenhum acto oficial, Carmen...se me permite que a trate assim – ripostou ele.
- Com certeza!
- E também me pode tratar só por Jacinto. Os títulos e as etiquetas ficam para ocasiões mais formais.
- Não sei se deva...
- Claro que sim! Digamos que é essa a vontade divina – falou, com um sorriso malicioso, o homem.
- Então sente-se à sua vontade, Jacinto! Isto é um andar pequeno e modesto. Tem ali várias bebidas e copos: pode servir-se à vontade enquanto eu vou acabar o frango de cabidela – disse ela.
- Frango de cabidela? Até parece que adivinhou! Acho-o um prato delicioso.
- Ainda bem! Fui certamente inspirada pelos céus...
- Ou então é um anjo que anda na terra – adiantou-se o sacerdote.
- Não! Não sou anjo nem sou anjinha! Mas gosto de servir a Igreja e as pessoas que fazem parte dela – e foi para a cozinha.
O padre ía servir-se de um vermute mas lembrou-se que lhe faltava qualquer coisa e dirigiu-se para o compartimento onde a solteirona confeccionava o petisco.
- Carmen! Posso?
- Sim! Precisa de alguma coisa?
- Se não fosse muito incómodo, poderia dar-me duas pedrinhas de gelo e uma casquinha de limão? – pediu o reverendo enquanto apreciava o ainda elegante corpo da paroquiana.
- É para já!
E logo entregou ao homem o que este tinha pedido.
- Muito obrigado, Carmen! – e retirou-se para a sala onde preparou a bebida a seu gosto.
Mas pouco depois regressou à cozinha.
- Desculpe! Mas este cheirinho é delicioso...
- O Jacinto gosta do cheiro de frango, já percebi! – disse a mulher cada vez mais desinibida.
- Do cheiro e de o comer! – respondeu o padre no mesmo comprimento de onda – Posso cheirar a panela?
- Claro! Chegue-se para aqui. Até está mais quentinho. O Jacinto gosta das coisas quentes, não gosta?
- Adoro! Adoro! – ripostou o homem, ele sim, já bastante quente.
E mais quente ficou quando se chegou ao fogão e sentiu a mulher a encostar os seios ao seu corpo.
- Que maravilha! – disse, não retendo um suspiro.
Mas a Carmen era totalmente dada ao serviço da Igreja.
Tirou o copo de Martini das mãos do pároco, bebeu um trago, pousou-o e agarrou-se ao homem beijando-o sofregamente.
O clérigo já tinha sido informado pelo padre Jorge, a quem sucedera, que a mulher fora sua amante durante vários anos e que tinha grande fogosidade, além de outros pormenores úteis. Mas mesmo assim não deixou de ficar surpreendido.
E mais ainda quando ela lhe tocou no membro e disse:
- Tem de aliviar a sua tensão antes do jantar. Venha comigo!
E, positivamente, puxou-o até ao quarto onde o atirou para cima da cama e foi-o despindo com uma sabedoria que deixou o homem a pensar que afinal já tinha alcançado o paraíso.
Depois, desnudou-se ela e colocou-se em posição para ser penetrada.
- Vamos lá, Jacinto! Agora é uma rapidinha para não queimar o frango. Mais logo vai ver como eu também consigo fazer milagres...mas tudo para servir a Santa Madre Igreja.
E soltou uma gargalhada...


publicado por António às 12:50
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Sexta-feira, 7 de Dezembro de 2007
Histórias curtas XXXIII - A mulher que gostava de vinho
Reconversão do texto “Diálogos de gente XII – A alcoólica” de 13 de Maio de 2006
 
José Alberto Brito era escriturário na Conservatória do Registo Civil.
Com trinta e dois anos, casado com Luciana Carvalho um pouco mais nova, nenhum filho nascera ainda da relação. Esta não tinha profissão ou, como se costuma dizer, era doméstica.
- Boa tarde, Luciana! - disse o homem ao entrar no pequeno apartamento de três assoalhadas onde viviam.
Não obteve resposta.
- Luciana! Cheguei!
- A Luciana está a dormir há várias horas – ouviu duma voz bem conhecida.
- Oh mãe! Estás cá? Não me digas que ela...
- Pois é, meu filho! Mais uma carraspana de caixão à cova – disse, num tom de desalento, a quasi sexagenária senhora.
- Esta mulher é terrível! Dá cabo de mim! E onde foi arranjar o vinho, desta vez? – perguntou o bom do Zé, desanimado, antes de suspirar fundo.
- Deve ter ido lá fora comprar um garrafão de maduro tinto que estava na cozinha com muito menos de metade. Agora não tem nada porque eu o esvaziei – esclareceu a mãe, Isaura.
E continuou:
- Ainda bem que eu tenho a chave e venho cá. Estive a ver a tua roupa e só tens uma camisa lavada. Pus alguma a lavar e depois levo-a para minha casa para tratar dela.
- Se não fosse a mamã esta casa era uma desgraça. E mesmo assim é o que se vê! – desabafou o José, olhando para vários pontos da cozinha e da sala onde o desarrumo era imenso.
- Eu não percebo porque não te divorcias, Zé! – disse a senhora – Já falamos nisso muitas vezes. Eu sei que tens pena dela e, no fundo, continuas a gostar da Luciana. Tens um bom coração. Bom demais. Mas nem um neto me deste. No fundo até acho bem, pois com a mãe alcoólica poderia ser uma criança com graves problemas.
E continuou a falar de pé, com o filho agora sentado num confortável sofá, os cotovelos apoiados nas coxas e as mãos segurando a cabeça inclinada:
- Já esteve internada a fazer recuperação por duas vezes e ao fim de pouco tempo lá voltou o vício. Já a mandaste para casa da mãe mas ao fim de seis ou sete dias foste lá buscá-la roído pelas saudades. As pessoas já a conhecem como a “bêbeda” e a ti como o “nabo”. Qual o teu futuro? Eu sei que já falamos nisto muitas vezes mas o problema continua. E vai continuar até se tomar uma decisão radical que tem de ser tua. Tens de ter coragem para a deixar. Não conheces outra mulher com qualidades? Aquela tua colega da repartição que é solteira, por exemplo.
- Ó mãe! Já lhe disse muitas vezes que tem toda a razão, mas não me consigo decidir. – disse o Zé – Não sei porquê, mas não a consigo abandonar. E quando está lúcida até é muito boa pessoa.
- O pior é que passa metade dos dias enfiada na cama com um grande pifo ou a andar pela casa como um fantasma quando está na ressaca. – ripostou a velhota – Tu és um mole! Se um dia morro, e não vou ficar cá para semente, não sei o que vai ser de ti. E tenho cá um desgosto por não ter um neto teu...e o teu pai também! Ele nem vem cá para não se incomodar. Quasi que nem fala contigo sobre o assunto. Deus me perdoe, mas se a desgraçada morresse eu ficava toda satisfeita!
- Oh mãe! Não diga isso! Acho que temos de arranjar uma clínica onde ela possa estar mais tempo. A solução é essa, na minha opinião – falou o Zé Alberto.
- Eu já não acredito nisso! Já esteve em recuperação duas vezes e foi o que se viu – disse a Isaura.
- É uma merda! É uma merda! – desabafou o José.
Entretanto ouviu-se um barulho vindo do quarto.
- Olha! Parece que se está a levantar! – disse a mãe – Vai lá ampará-la antes que dê um trambolhão. Eu vou continuar a dar uma arrumadela à casa, porque hoje a tua mulher não vai estar em condições. E depois vamos ver!
O José Alberto dirigiu-se ao quarto onde a Luciana estava sentada na cama, pés nus no chão, cabelos desgrenhados, rosto avermelhado, olhos semicerrados.
- Oh mulher! Então andaste outra vez a beber? – censurou o marido.
- Eu? A beber? Só um bocadinho... – respondeu a alcoólica com uma voz lenta, rouca e entaramelada.
- Ó Luciana! Não foi pouco, não senhora! Felizmente a minha mãe veio cá, está a fazer as coisas que tu devias ter feito, e viu um garrafão quasi vazio – corrigiu o Zé.
- A bruxa está cá? A fazer o quê? – desaforou a Luciana com a mesma entoação.
- Cala-te mulher! Cala-te!
- Tenho sede! – disse a mulher.
- Agora vais beber água e dormir mais, pois ainda não estás em condições de te levantar. Espera aí um bocadinho que eu já venho – disse o marido.
Enquanto isso, a alcoólica deixou-se cair para trás, na cama.  
Quando o devotado cônjuge regressou com um copo de água já a Luciana estava de novo a dormitar.
- Porque raio me fui apaixonar por uma mulher com um vício destes? – cogitou ele.
Saiu do quarto e foi sentar-se num banco da cozinha junto da mãe que, entretanto, resolvera preparar uma refeição para o filho.
- Lembrei-me de uma coisa! – interrompeu o silêncio, a senhora.
- O quê?
- Trancá-la em casa sem haver aqui nenhum álcool, nem mesmo perfume, e assim impedir que ela vá lá fora comprar vinho. Em suma: privá-la da bebida maldita.
- Nunca tentamos isso, realmente! – pareceu corroborar o homem.
 
E assim fizeram.
Logo no primeiro dia de encarceramento a aprisionada veio à janela do 3º andar em que ficava o apartamento e procurou aliciar uns rapazinhos pedindo-lhes para irem a uma velha mercearia buscar vinho.
Mas a sogra Isaura estava atenta e impediu que a mediação se concretizasse.
Quando chegou a casa, o Zé Alberto até sentiu dó do estado de carência em que a Luciana estava. Esta vociferou com ele, depois suplicou-lhe, mas o homem conseguiu aguentar firme.
Os dias seguintes pareceram ter sido copiados deste primeiro.
Até que ao fim da manhã do quarto dia a mulher pura e simplesmente saiu por uma janela indo cair no toldo de um estabelecimento comercial donde rolou para o pavimento onde ficou inerte.
Foi chamado o 112 pela própria sogra que continuava vigilante. A Luciana estava consciente mas não se conseguia mexer da cinta para baixo. Depois da chegada da ambulância foi estabilizada e transportada à urgência do hospital onde foi imediatamente atendida.
A sogra acompanhou-a no veículo de socorro e pouco depois estava no hospital com o filho e com o marido, que entretanto tinham chegado, aguardando informações dos médicos. Também alguns familiares da Luciana lá aguardavam novidades.
Ao fim de mais de uma hora foram informados de que, além de ter fracturado uma perna, uma anca e um braço, tinha uma lesão na coluna que a deixara paraplégica. Iria ficar internada e ser submetida a uma operação para tentar minimizar a lesão na espinal-medula
Ao fim de quasi duas semanas voltou para casa numa cadeira de rodas. A cirurgia fora bem sucedida mas teria de fazer fisioterapia para recuperar o mais possível.
- Foi pior a emenda que o soneto! – disse o Zé para a mãe.
- Não sei! Pode ser que se se mantiver sem ingerir álcool durante uns tempos perca o vício...
- Pois! Mas não sei o que é pior: se tê-la aqui paralisada pelo álcool ou pela lesão da medula.
- Tenho esperança de que recupere com a fisioterapia... – tentou acreditar a mãe.
 
Passados poucos meses, a Luciana já conseguia andar com canadianas. Não mais houvera sorvido qualquer bebida alcoólica e parecia duplamente curada.
Um dia, pouco antes das dez da manhã, bateram à porta.
Como a essa hora costumava estar sozinha, levantou-se da cama e com o auxílio das muletas foi abrir.
- Bom dia, D. Luciana! Precisa de alguma coisa para hoje? – perguntou um miúdo dos seus doze anos, o Renato, que vivia mesmo ao lado.
- Claro, meu rapaz! Traz a garrafinha do costume – disse ela enquanto entregava ao moço uma garrafa vazia, de vidro muito escuro, que meteu numa saca de napa grossa e preta.
E acrescentou ao dar-lhe uma nota:
- E guarda o troco!


publicado por António às 12:58
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Terça-feira, 4 de Dezembro de 2007
Reconversões
Entre Março e Setembro de 2006 escrevi e coloquei on-line dezassete textos subordinados a um título comum:
“Diálogos de gente”
Muitos deles são verdadeiras pequenas histórias, mas outros ficaram-se pelos diálogos deixando escondida uma história potencialmente mais interessante.
É meu propósito reler esses textos e aqueles que merecerem ser reconvertidos em “Histórias curtas” sê-lo-ão, se a tal me ajudar o engenho e a arte, como dizia o Poeta.
Desde já informo que quando aparecer um texto restaurado disso farei aviso logo no seu início.


publicado por António às 21:21
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Sábado, 1 de Dezembro de 2007
Abre-te, Sésamo!
- Abre-te, Sésamo! – gritou Romeu depois de ter chegado ao iglô onde estava a sua quente e sedutora Cleópatra a contar histórias dos crocodilos do Volga ao famoso pacifista Bin Laden enquanto o beijava arrebatadamente.
Mas o código não funcionou porque os apaixonados tinham derretido a bola de Berlim que deveria rolar e deixar a descoberto a entrada da habitação localizada nos arredores de Sidney.
Romeu só então reparou que o refúgio estava só tapado por uns cactos floridos e entrou. Regressava agora a casa para amar a sua esposa, após três meses na campanha da pesca da baleia no Lago de Tiberíades.
Quando se deparou com os dois ocupantes da tenda em posses tão ousadas, sacou da metralhadora que trazia escondida no bolso das calças e avançou para a princesa da Babilónia firmemente determinado em cortá-la aos bocadinhos e deles fazer saborosos torresmos.
Mas a mulher, num assomo de amor e paixão pelo Bin, fugiu a esconder-se atrás do amante e foi este o perfurado por vários punhais disparados em rajada pelo ofendido Romeu.
Mas este não desistiu e deu um saltinho de pardal (pois estavam no Natal) para capturar a mulher que se lhe escapuliu por um buraco no pavimento de mármore que ía dar a uma praia na costa mexicana do oceano Índico. Aí viu o marinheiro Sindbad e a ele se agarrou, gritando:
- Abre-te, Sésamo!
O barco abriu um rombo e fez-se ao largo levando os antigos apaixonados dos tempos de infância nadando na piscina cheia pela água entrada pela nova abertura.
Romeu, entretanto, debatia-se para retirar os cornos que haviam ficado espetados na parede quando nela bateu com a fúria de um touro enraivecido.
Quando o conseguiu já os amantes estavam a comer um delicioso jantar de aranhas guisadas com batatas a murro.
E foram muito felizes até ao naufrágio!
Romeu, ao fim de pouco tempo encontrou a vaquinha Cornélia, apaixonou-se pelos seus chifres lindos e sensuais e com ela ainda vive em mancebia.


publicado por António às 13:40
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