Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Sábado, 29 de Março de 2008
Histórias curtas XL - Triângulo escaleno
Reconversão do texto “Diálogos de gente (X) – Três no escritório” de 1 de Maio de 2006
 
Margarida Torres e Teresa Brandão eram as únicas ocupantes de um dos gabinetes da Contabilidade na empresa onde trabalhavam.
Na casa dos trinta e tal, eram duas bonitas mulheres, casadas e com um filho cada uma.
A primeira era mais magra, mais alta e bastante loira, de cabelo sempre bem penteado; vestia-se de forma mais provocante, era mais sensual, e não havia homem que ao passar por ela não a olhasse de forma concupiscente.
As respectivas secretárias estavam colocadas lado a lado.
- Bom dia, minhas lindas – saudou o colega Tomás da Costa mal entrou na sala.
- Bom dia, Tomás! – responderam em uníssono.
- Ó menino Tomás! Não vens chatear a gente, pois não? – perguntou a Margarida.
- Mas eu não te chateio, Guidinha! – ripostou o homem – Como é que eu podia chatear a mais bela mulher à superfície da Terra? Ai minha querida! Quando é que vens cair nos meus braços?
- Lá vens tu cantar-me a canção do bandido! – disse a Margarida – Vai fazer o teu trabalho que é para isso que te pagam. Não é para vires aqui desviar-nos a atenção do que temos para fazer.
Mas o Costa, quarentão recentemente divorciado e sem filhos, não desarmou:
- Guidinha! Eu para produzir trabalho com alto rendimento preciso de vir aqui ver os teus lindos olhos verdes, sentir o perfume que exalas do teu corpo de ninfa, cegar-me com o brilho dos teus cabelos doirados, inebriar-me a escutar a tua voz sensual.
Nenhuma delas conseguiu evitar um largo sorriso, mas a loira aconselhou, tentando mostrar uma expressão muito séria:
- Pronto! Agora que já te inspiraste, podes pôr-te a andar!
- Agora sim, vou trabalhar! O dia, que nasceu turvo para mim, já se iluminou – e saiu, sorrindo, o Tomás.
- Coitado do homem! – disse a mais discreta Teresa que contrastava com a amiga por ter uns cabelos e uns olhos muito negros e arranjar-se de uma maneira mais simples, porém harmoniosa. Mas também dava nas vistas.
- A mulher deixou-o e agora nós é que temos de o aturar, a ele mais às suas carências – comentou a loira.
- Mas deixa-me dizer-te, Guida! Ele anda perdidinho por ti! – afirmou, num tom de quem tem a certeza, a morena.
- Isso sei eu! Mas está com azar! De mim não leva nada! – respondeu, peremptoriamente, a visada.
Tocou o telefone, a Teresa atendeu e a conversa morreu ali.
Tinha decorrido mais ou menos uma hora quando:
- Aqui estou eu de novo, Guidinha! – disse o Tomás enquanto entrava.
- Outra vez? – fingiu admirar-se a loira.
- Já estava a perder inspiração e tive que vir aqui à fonte absorver mais uma dose – disse o colega.
- Então inspira-te caladinho e põe-te na alheta depressinha, está bem? – ordenou a Margarida.
- Ok! Eu não digo mais nada! – afirmou o Tomás, calando-se e aproximando-se devagarinho da Guida que estava atenta ao que lia nuns papéis.
Postou-se ao lado dela e passou-lhe a mão, suavemente, pelos cabelos.
- Ó Tomás! Tu és demais! – refilou a mulher – Ainda apanhas uma bofetada! Ai apanhas, apanhas!
- Eu só estou a fazer o que mandaste! – justificou-se o homem – Inspirar-me em silêncio. Mas só tocando-te consigo ter alento e talento para mais de meia hora. Olhar-te, só alimenta a carga para trinta minutos.
- Olha, Tomás! O que tu queres sei-o eu. Mas estás com azar. Comigo não te safas – avisou a Guida.
- Nunca se sabe! Nunca se sabe! – disse ele em tom de desafio.
- Se estás à minha espera, bem ficas divorciado durante o resto dos teus dias. Divorciado e a seco – avisou de novo a loira.
- Queres vir tomar um cafezinho comigo? – convidou o homem, mudando o rumo da conversa.
- Daqui a pouco vou mas não é contigo, não! – disse, secamente, a Margarida.
- Bom! Já recarreguei para uma horita, mais ou menos. Vou trabalhar até à próxima carga – disse o homem, saindo a sorrir, como sempre.
- Oh, Guida! Se não te impões de uma vez, ele não te larga! – aconselhou a Teresa.
- Eu sei! Mas, no fundo, até gosto de ouvir alguns dos piropos que ele me diz – confessou a loira.
- Tu lá sabes! Mas o comportamento dele configura perfeitamente um crime, ou lá o que é, de assédio sexual – disse, convictamente, a morena.
- Deixa lá o homem! Qualquer dia arranja uma gaja que o satisfaz e acalma logo – pôs a Guida água na fervura.
- Não sei, não! Olha que ainda estava casado e já te fazia rapapé.
- Eu sei, Teresa! Mas era poucochinho – disse a outra.
- Olha, Guida! Só te digo que se não o pões em sentido, qualquer dia ele pode chegar a extremos que tu nem estás a imaginar.
- Não dramatizes, Teresa! Eu sei pôr-me no meu lugar! – e a Margarida tentou sossegar a colega.
- Espero que o teu lugar não seja debaixo dele! – preveniu a Teresa.
- Ó filha! Parece que estás com ciúmes! Já viste que o homem até é bem jeitoso?
Ele era de estatura média, magro, pele branca e, apesar de ainda não ter quarenta anos, já tinha falta de cabelo e algumas cãs num conjunto castanho claro. Mas o seu rosto era bem torneado e uns dentes muito certos e brancos faziam dele um pólo de atracção para muitas mulheres.
O telefone tocou e a morena atendeu.
- Pois é, queridinha! Tens é dor de cotovelo! – pensou a Guida.
 
Os dias foram passando e o Tomás, sempre que estava mais folgado, lá ia até ao gabinete das duas mulheres fazer o rapapé habitual.
Uma manhã, depois de ouvir o homem atirar mais uns piropos à colega, a Teresa olhou para ele e falou:
- Ó Tomás! Amanhã vou mudar de casa, finalmente.
- Já? Olha que bom! Então vamos ser vizinhos…
- Pois é! Na segunda-feira já venho para cá do novo apartamento – disse, com orgulho, a morena.
- É um T2, não é? – quis confirmar o colega.
- Um T2+1. E com lugar de garagem para um carro.
- Tens mais sorte do que eu. Agora tenho um mísero T1… – lamuriou-se o Casanova.
- Se dormisses debaixo das pontes e dos viadutos seria bem pior – interveio a Guida.
- Não me importava nada desde que tu estivesses comigo! – respondeu prontamente o Costa.
De repente, virou-se para a outra e disse:
- Ó Teresa! Tu vens de autocarro?
- Pois…o meu homem é que anda com o carro e leva o Guilherme à escola e também o traz.
- E não queres vir comigo? – alvitrou o D. Juan – Assim poupavas umas coroas. O pior é o teu homem que é ciumento!
- Não é nada! Dá-me toda a liberdade porque confia em mim – rectificou a nova vizinha do galã.
- Esse esquema de boleias é porreiro mas corta um pouco a liberdade de ambos – interveio a loira.
- Tens razão, minha querida! Mas acho que compensa – falou ele.
- Pois! Lá isso é verdade… – comentou a Guida.
E assim as coisas foram-se alterando.
O Tomás e a Teresa tornaram-se mais íntimos pois as viagens em conjunto favoreciam o conhecimento mútuo e foi crescendo uma simpatia entre ambos.
O galanteador continuava a ir ao gabinete das colegas mas agora era menos efusivo com a Guida e conversava mais com a mulher dos olhos negros.
Obviamente que a colega notou isso e não se continha:
- Ó Tomás! Tu agora ligas mais a ela do que a mim. Acho que tenho de me mudar para uma casa perto de ti.
- Ó minha querida colega! Não me digas que tens ciúmes da minha vizinha! Olha que tu serás sempre a número um… – tentou pôr água na fervura o Costa.
- Guida! – falou a Teresa com um tom de censura na voz – Não te esqueças que eu sou casada e tenho uma família.
- Eu sei, Teresa! Estava a brincar! – emendou a loira – Mas porque ficaste zangada?
- Mau! Mau! Mau! – interrompeu o homem – Se vocês se pegam por minha causa eu nunca mais cá venho.
E saiu.
- Tem-se em muito boa conta, o tipo! – comentou a Margarida, com ironia.
A outra limitou-se a dizer:
- Vou trabalhar senão depois fica o serviço atrasado.
- E obrigas o Tomás a esperar por ti – arreliou a mais vistosa.
A outra não respondeu, mas fez um leve esgar de irritação.
 
O tempo foi rolando e, de facto, o Tomás passou a frequentar muito menos o gabinete das duas mulheres. Mas, entretanto, tinham passado a almoçar juntos num novo restaurante que abrira nas redondezas.
Uma vez, estavam os três sentados a comer juntamente com outros colegas, quando a Guida se baixou para apanhar o guardanapo que caíra. E viu um pé da morena, descalço, metido nas calças do Tomás.
- Se isto já vai assim, aqui, é porque ele a anda a comer – elucubrou.
E resolveu segui-los quando saíssem juntos.
Ao fim de dois dias viu o carro meter por uma rua diferente da do percurso habitual para casa da colega e entrar num parque de estacionamento privativo escondido atrás de uma residencial.
- Eu tinha a certeza! A sonsa, afinal, põe os cornos ao homem com o Tomás – falou consigo mesma.
E acabou por verificar que eles iam para a cama duas ou três vezes por semana.
- Pois se ela o come eu hei-de comê-lo também! – jurou a loira, raivosa por se ter visto preterida – Quando tiver uma oportunidade atiro-me de cabeça e ele não resiste.
E continuou a falar com ambos como se nada de especial tivesse observado.
 
Uma manhã, a morena revelou:
- Vou tirar quatro dias de férias depois do feriado de segunda-feira.
- Sim? – e um brilho muito especial refulgiu nos lindos olhos verdes da Margarida – Fazes bem! E vais a algum sítio?
- Sim! Vamos até Espanha dar uma volta – disse, com orgulho, a colega.
- Quem me dera! Eu vou tirar as férias todas seguidas por causa do Carlos.
E foram prosseguindo com a conversa e com o trabalho.
Mas a mais espampanante das duas percebeu que esse poderia ser o momento de cumprir o que a si mesmo jurara. Tinha quatro dias o que seria suficiente para uma fuga com o Tomás.
Rapidamente chegou a terça-feira que era o primeiro dia das curtas férias da Teresa.
O Tomás não foi ao gabinete ver a loira o que deixou esta um tanto agastada até que pegou no telefone e lhe ligou:
- Olá, Sr. Costa!
- Olá, Teresa linda!
- Então não vens aqui ver a colega que está sozinha?
- Vou, vou! Mas primeiro quero acabar umas coisas. Espera um bocadinho que já aí vou relaxar no verde do teu olhar – remendou, com a agilidade habitual, o galã.
- Então até já!
Pouco depois o homem entrou no gabinete onde estava a solitária colega.
- Bem-vindo, Tomás! – saudou a loira.
E prosseguiu:
- Agora só tens olhos e conversa para a Teresa.
- Calha! Como viajamos juntos para cá e para lá… – justificou-se ele.
- E para a residencial onde a vais comer! – disparou a mulher.
Quando falou estava a olhá-lo e nunca o viu tão atrapalhado. Dessa vez a resposta não saiu rápida.
Ficou parado até que, gaguejando um pouco, disse:
- Olha que estás enganada!
- Ó meu menino! Não me queiras fazer de lorpa. Mas não te preocupes que não digo nada a ninguém. É segredo só dos três.
No seu rosto desenhou-se uma expressão plena de sensualidade e a sua voz saiu com uma ternura inigualável.
- Mas quero que logo me mostres como são os quartos da estalagem!
O Tomás da Costa só não caiu porque estava encostado à parede.
Olhou para aquela mulher tão apelativa que ele sonhava possuir há tanto tempo que sentiu um baque no peito.
Enquanto não respondia ela olhava para ele e ia passando a extremidade da unha do dedo indicador pelos dentes da boca semi-aberta.
Finalmente:
- Com muito prazer, Guida! – conseguiu balbuciar.
- O prazer será muito maior do que o que estás a imaginar… – provocou ela.
- Espero que sim! Então logo vais no teu carro atrás de mim? – perguntou ele.
- Podemos encontrar-nos lá pois eu sei bem o caminho – atacou ela mais uma vez.
- Ok, Guida! Confesso que hoje me surpreendeste.
- Eu sei! Vi bem as tuas expressões. Hoje nem vais conseguir trabalhar como deve ser – e soltou uma gargalhada.
- Vou andando, senão ainda te salto para cima aqui na secretária – e riu-se feliz, o Tomás.
Logo de seguida afagou-lhe os cabelos doirados e saiu.
Pouco depois o telefone do homem tocou:
- Ó Tomás! Não te esqueças de que isto vai ser o nosso segredo. Só nosso!
- Claro! Não penses que eu não sei estar calado quando é preciso – replicou ele.
- Sim! Pelo menos no que respeita à relação com a Teresa foste muito discreto.
- Eu sou sempre discreto quando é caso disso. Mas tratando-se de colegas casadas ainda mais cuidado tenho.
- És um querido! – disse a loira vistosa e desligou.
 
O Tomás foi o primeiro a chegar ao parque de estacionamento da hospedaria.
Não passaram mais de três minutos e chegou a Margarida Torres.
Saíram ambos da viatura e o homem dirigiu-se para uma pequena porta seguido da colega.
Não disseram nada, mas trocaram olhares e um sorriso cúmplices.
Ela ficou junto do elevador enquanto ele foi ao balcão pagar o aluguer de um quarto e pegar nas chaves respectivas.
Subiram.
Cerca de meia hora depois desceram, ele foi devolver as chaves e quando voltou para sair com a Guida abriu-se a porta do elevador e de lá saiu um sujeito pequeno, calvo e barrigudo e uma mulher, já não muito jovem.
A loira ficou estática.
A Francisca, que estava mesmo diante dela, era a secretária do director. Divorciada, gorda e feia, a loira não simpatizava nada com ela.
A Chica cumprimentou o parzinho, fez um sorriso irónico e seguiu.
Guida e Tomás saíram e ela comentou:
- Que azar! A primeira vez que atraiçoo o meu marido e esta gaja descobre-me.
E olhando os olhos do homem:
- Foi muito bom, Tomás, apesar do pouco tempo. Mas penso que foi a primeira e última vez…
- Porquê? Porque viste a Chica? Não te preocupes que ela não diz nada até porque o gajo é meu vizinho e é casado. Espero voltar a estar contigo e com mais calma. Tu és uma mulher formidável!
E continuou:
- Agora vai-te embora para não chegares muito atrasada. Até amanhã!
Beijaram-se nos lábios e seguiu cada um para o seu automóvel.
Enquanto conduzia para o pequeno apartamento onde vivia só, o Tomás da Costa pensava:
- A Teresa, a Guida e a Joana que vai lá a casa amanhã à noite. Duas casadas e uma divorciada. Três mulheres diferentes mas que me agradam. As que trabalham na empresa tem várias coisas em comum mas não são iguais. Todas, são como que um triângulo com os lados todos diferentes: um triângulo escaleno, como aprendi na escola. Será que consigo remover dois dos lados e ficar só com um? A Joana estaria em melhores condições mas, com dois filhos ainda novos, perde a vantagem. E será que quero desfazer o triângulo? Não! Vou continuar assim enquanto puder…


publicado por António às 22:25
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Domingo, 23 de Março de 2008
Histórias curtas XXXIX - Sonolência

Reconversão do texto “Diálogos de gente (IV) – O dorminhoco” de 29 de Março de 2006

 

- Mas que raio de homem! – praguejou a Natália – Este desgraçado nasceu cansado!
A mulher tinha-se levantado às sete horas e já executara uma série de tarefas: lavar-se, vestir-se, pôr a mesa para o pequeno-almoço dos dois filhos, arrumar roupa e louça que ficaram a lavar ou a secar quando foi para a cama, acordar o Tiago e o Filipe para irem para a escola, e ainda tinha várias outras para fazer antes de sair de casa às oito e meia para entrar ao serviço às nove.
O marido, calmeirão e sempre sem pressa, também devia entrar às nove, mas raramente tal acontecia. Se o fizesse com um quarto de hora de atraso já não era nada mau.
De vez em quando a Natália entrava no quarto, fazia barulho e dizia:
- Levanta-te, homem! Olha que qualquer dia ainda te despedem!
Mas isso é que era bom!

Levantar-se?

O Mário Rodrigues?
A Natália, pequena e frenética, continuou a sua labuta de formiguinha: ajudou os filhos a vestirem-se (Filipe, o mais novo, era muito parecido com o pai e ela vestia-o permanecendo o miúdo em pé, agarrado a ela e com os olhos fechados), chamou mais uma vez o marido e abriu a persiana totalmente para que o quarto ficasse ainda mais bem iluminado. O homem resmungou com uma espécie de grunhido, mexeu-se, mas levantar-se é que não. Ela aproximou-se do ouvido e disse:
- Olha que já passa das oito e meia.
- Humm?
- Já passa das oito e meia. Vou sair e levo os miúdos. E tu vê lá se te levantas, meu madraço!


Ao fim da tarde, quando o Mário regressou a casa já lá estava toda a família.
A mulher é que usava o automóvel pois levava os filhos à escola e trabalhava num local com poucos transportes públicos.
Ele andava de autocarro.

 - Boa noite! – disse o Rodrigues bonacheirão.
E foi beijar a mulher que estava na cozinha.
Os dois rapazes apareceram pouco depois:
- Boa tarde, papá! – cumprimentaram-no e regressaram ao quarto onde ambos dormiam.
- Natália! – disse o homem com um tom de voz pouco habitual.
Ela notou a diferença e, parando o que estava a fazer, perguntou:
- Que foi, Mário?
- Hoje houve chatice no emprego.
- Sim? – perguntou ela, apreensiva – Então desembucha, homem!
- O meu chefe, o Matos, chamou-me ao gabinete dele e deu-me o raspanete maior de todos os que já ouvi – começou a Mário.
- Mas porquê? – insistiu a Natália.
- Hoje eu adormeci outra vez e só cheguei ao trabalho às onze horas – confessou ele.
- Meu Deus, homem! E o Matos ameaçou-te, já percebi! – avançou a mulher.
- Pois! Disse-me que, se não começar a entrar à hora contratual, me instaura um processo disciplinar para despedimento com justa causa – contou ele.
E os olhos daquele homem enorme já estavam brilhando com lágrimas nascentes.
- Mas que chatice! – disse ela – Eu fartei-me de te avisar mas tu não te esforças para cumprires os horários… Sabes muito bem que não se pode brincar com essas coisas.
- Eu sei, mulher! – e fios de água já corriam pelo seu rosto – Mas é superior às minhas forças!
- As pessoas não são todas iguais, já se sabe, mas temos de arranjar um método de tu cumprires os teus deveres. Lembra-te que temos dois filhos pequenos, uma casa para pagar, e não podemos ficar sem o teu ordenado. E mesmo o subsídio de desemprego não é vitalício. E podes ter dificuldade em arranjar outro trabalho. E se o conseguires pode voltar a acontecer-te o mesmo – dissertou a Natália.
- Mas que é que eu hei-de fazer? Não posso ir dormir para lá!
- Deixa-te de parvoíces! Podes jantar menos, deitar-te mais cedo e eu salpico-te com água para tu te levantares. E sais ao mesmo tempo que eu e os miúdos. Se chegares lá mais cedo até é uma forma de demonstrares que estás regenerado. E descansas mais ao fim de semana – avançou Natália com uma solução.
- E a que horas achas que tenho de me deitar? – perguntou, conformado, o pacato Mário.
- Tu precisas de dormir dez ou onze horas por noite. Para te levantares às oito, oito e um quarto, tens de te deitar por volta das dez – sentenciou a mulher.
- Mas isso é muito cedo! – pareceu chateado, o homem.
- Tu já adormeces sempre a ver a televisão, portanto passas a dormir na cama em vez de ser no sofá. E até estás mais bem instalado – rebateu a verdadeira chefe da família.
- Mas eu gosto de ouvir o som do aparelho com os tipos a falar.
- Tu dás-me mais trabalho que as duas criancinhas juntas! Raio de homem! Olha! Ligas o rádio despertador e adormeces ao som de música ou de notícias. A TSF está sempre a dá-las. Eu, quando me for deitar, preparo o aparelho para tocar às sete – decidiu, mais uma vez, a Natália.
- Eu sou um desgraçado! Se não fosses tu não sei o que seria de mim... – e o bom gigante continuou a choramingar.
- Ó meu amor! – e ela deu-lhe um beijo – Eu estou aqui para te ajudar. Tu não tens culpa. És assim e não vais mudar, portanto temos de arranjar subterfúgios para ultrapassar esse defeito.
- És a melhor esposa e mãe do mundo – disse, agarrado à mulher, o Mário dorminhoco.

 

Os dias, as semanas e os meses foram passando.

Sob as ordens cada vez mais exigentes da mulher, o homem foi saindo de casa às oito e meia e chegava à firma a tempo.

A Natália, por sua vez, estava satisfeita com os resultados da sua liderança e aplicava aos filhos os mesmos métodos: rigor e severidade. Mas muito amor, também.

Mais de meio ano passara sob o regime militarista imposto por ela.

Um fim de tarde, já a mãe e os rapazes estavam em casa, chegou o Mário.

Cabisbaixo, foi para a sala, sentou-se no sofá habitual, fincou os cotovelos nas pernas e apoiou a cabeça nas mãos.

Perante o silêncio do marido, a mulher, que já estava na cozinha, foi ter com ele e ao vê-lo naquela posição pressentiu que algo de anormal acontecera.

- Que foi Mário?

- Uma chatice! – levantou os olhos em direcção da mulher e estes estavam lacrimejantes.

- Parece que não foi coisa boa. Até estás a chorar…

- Fui apanhado pelo Matos a dormir na secretária.

- Ó meu Deus! – exclamou ela.

- E o pior é que não foi a primeira vez. Depois de almoço dá-me uma soneira tal que muitas vezes não aguento – confessou o sorna.

- Não me digas! Mas isso é grave! Pode dar direito a despedimento com justa causa.

- Pois é isso que ele vai fazer. Instaurou-me um processo disciplinar.

- Mas que grande merda! – desabafou a Natália – E agora o que vamos fazer?

- Sei lá! Acho que tenho de arranjar um trabalho com menos horas por dia para poder descansar aquilo que o meu corpo exige.

- Realmente! Já não sei mais o que fazer. Posso ir falar com o Matos e fazer-lhe um grande choradinho mas, mesmo que ele se condoa, pouco depois lá estás tu novamente a ser apanhado.

- Pois é! – falou o prevaricador – Eu já estava à espera que isto acontecesse e cheguei à conclusão que não posso ter um emprego deste tipo. Tem de ser uma coisa mais do género biscate: faço um serviço agora, outro mais logo…

- Também concordo! Vamos começar a procurar uma coisa desse género. Nem que ganhes um pedaço menos…

- Talvez o teu irmão me consiga um trabalho daqueles de andar na rua e fazer serviços para a firma dele – alvitrou o homem.

- Pois…serviços externos. E na rua não vais adormecer…espero!

 

Passados cerca de dois meses o Mário Rodrigues foi trabalhar para a empresa da qual o cunhado era um dos sócios.

Fazia todo o tipo de serviços ligeiros no exterior, ao jeito de paquete. Ganhava pouco mas até podia dormitar um bocadito no trabalho enquanto esperava por instruções, contudo, quando tocava a sair, lá ia ele todo contente.

Umas vezes usava transportes públicos, outras, sobretudo em viagens mais longas para as quais era designado algumas vezes, conduzia uma carrinha da firma.

Uma vez, ao fim de cerca de três meses nesta actividade, arrancou pelas dez e meia da manhã para um longa viagem. Parou para almoçar e retomou o caminho rumo ao seu destino.

A certa altura começou a sentir as pálpebras pesadas, muito pesadas, cada vez mais pesadas...

Pensou em parar para dormitar um pouco, mas insistiu com o objectivo de atingir alguma povoação próxima e então tomar um café.

Não teve tempo para isso.

Os olhos fecharam-se e quando os abriu percebeu que o carro estava a iniciar a queda por uma alta e íngreme ribanceira.

Depois…fecharam-se para sempre!



publicado por António às 14:41
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Quarta-feira, 19 de Março de 2008
Este parte, aquele parte... (II)

Este parte,
Aquele parte,
E todos, todos se vão...


Escolhi os primeiros versos do poema de Rosália de Castro que, musicado por José Niza e cantado por Adriano Correia de Oliveira se tornou famoso em Portugal com o nome de “Cantar de emigração”, para título de posts que dedique a amigos que me vão deixando, numa viagem sem retorno.

Até ser eu a partir...

O Max era uma personalidade invulgar.

Conheci-o em Fevereiro de 1974 quando cheguei à messe dos oficiais da Armada, em Luanda.

Era o oficial da Reserva Naval mais conhecido em Angola.

Era mais velho 3 anos do que eu, licenciado em Direito e já divorciado.

Dependia do Comandante Naval da então província ultramarina e era o responsável pelas questões jurídicas.

Inteligência brilhante, raciocínio veloz, competência técnica, boa disposição permanente, grande conversador, capacidade de liderança, enorme sociabilidade e sem papas na língua.

Estas eram algumas características que mais ressaltavam nesse jovem razoavelmente alto e bastante magro, olhar vivo, amigo do amigo, esquerdista, solidário, fanático da justiça e da honestidade.

Também havia quem dele não gostasse…mas não se pode agradar a todos!

Convivi muito com ele até ao seu regresso a Lisboa em 1975.

 

Só o voltei a encontrar num verão (talvez o de 77 ou 78) em Caminha.

Dizia ele, com a sua graça habitual:

“Vim apreciar o Minho e encontrei-o descaracterizado. Só se vêem as horrorosas mesons cheias de fenetras dos emigrantes”.

Mas, cá de longe, acompanhei a sua brilhante carreira nomeadamente como Procurador-geral da República (adjunto) e como o primeiro Inspector-Geral da Administração Interna.

 

O António Henrique Rodrigues Maximiano nasceu em 26 de Setembro de 1946 e faleceu no dia 16 de Março de 2008, de doença prolongada.

 

Jamais te esquecerei, Max!



publicado por António às 15:26
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Sexta-feira, 14 de Março de 2008
EscritArtes
O EscritArtes (http://www.escritartes.com/forum) é um site de divulgação artística e literária (sobretudo literária), criado em Setembro de 2007 sob o impulso imparável da Maria Goreti Dias.
Fui dos primeiros a lá colocar textos da minha lavra; não inéditos, mas retirados do já razoavelmente abundante espólio que está nos meus blogs.
 
Os seus responsáveis tiveram a amabilidade de me atribuir a Menção de Qualidade Prosa de Fevereiro 2008, facto de que aqui deixo nota pois muito me honrou.
 
Naturalmente que os leitores deste post podem e devem visitar o EscritArtes onde, além do diploma virtual que me foi atribuído, poderão ler uma entrevista constituída por questões que me colocaram seis autores.
Não resisto a transcrever aqui as perguntas formuladas e as respostas que lhes dei.
 
 
Perguntas de...
 
Brito Ribeiro:
 
- Quem ler os teus contos e crónicas encontra uma matriz comum a todos
eles, uma forma muito correcta, diria mesmo de "fino recorte" em
relação à Língua Portuguesa. O que achas de alguns autores, até
consagrados, que desvalorizam o aspecto formal da escrita, dando maior importância aos conteúdos?
 
Pessoalmente não gosto de ler prosas utilizando uma escrita demasiado
incomum, mas compreendo que haja quem goste de as escrever e de as ler.
Eu próprio, por vezes, escrevo uns pequeníssimos textos experimentais e num
estilo pouco ortodoxo.
 
- Cada escritor tem os seus próprios métodos de organização, uns mais
impulsivos, outros mais reflexivos. Queres nos explicar como costumas
estruturar os teus textos?
 
Se forem textos longos (tipo novela) tenho de fazer um profundo e meticuloso
trabalho prévio de preparação.
Se forem histórias curtas do tipo "memórias" escrevo ao correr da pena.
No caso de pequenos contos totalmente imaginados por mim (ficção curta) 
faço uma pequeníssima estruturação prévia (e nem sempre); depois de começar a escrever as personagens é que me comandam. É giro este processo criativo.
Em todos os casos releio o que escrevi várias vezes e sempre faço correcções.
 
Dionísio Dinis:
 
- A sua prosa escreve-se em vários registos, registos esses que vão do humor, à análise e ao texto de reflexão, em qual dos diferentes registos se sente em maior comodidade criativa?
 
Prefiro, sem dúvida, escrever ficção! Gosto de inventar histórias e personagens e de as deixar correr...comigo atrás delas.
 
- Escrever porquê, para quê e para quem?
 
Escrevo para ser lido por toda  gente! Se me apercebo que não o fazem perco motivação e inspiração.
 
- Dos autores do "EscritArtes", poetas e prosadores, poderá citar alguns que sejam para si leitura obrigatória?
 
Leio integralmente os trabalhos de dois: o meu primo e talentoso contista Brito Ribeiro (eu também tenho Brito no meu nome) cujos pais são os meus padrinhos de baptismo e a original poetisa Lucibei.

Dite Apolinário:
 
- Relate aspectos de Vida, que considere terem sido importantes, no seu
caminho das letras/ poesia.
 
Sou um homem dos números, da matemática, da indústria.
Só comecei a escrever em 2005 aproveitando as experiências de muitas
décadas de interessantes vivências, de observação dos humanos e reflexão
sobre as pessoas e os seus comportamentos.
As pessoas que me liam no blog diziam que escrevia bem e isso entusiasmou-me e levou-me a escrever mais e mais.
Preciso de ser muito mimado pelos leitores...
...e não lido bem com a crítica.
Feitios!
 
- Como entende o seu percurso, desde que se encontra no site "EscritArtes"?
 
Os textos que publico no "EscritArtes" não são inéditos.
Estão todos metidos lá no meio dos meus blogs e eu vou-os pescando e dando
a conhecer a um novo auditório.
Curiosamente, quando leio um texto antes de o publicar aqui, introduzo-lhe sempre correcções porque nunca está como eu gosto.
Sou muito miúdinho!
 
- Projectos...Existem por aí?
 
Gostaria de ter um canto num jornal para escrever e também de publicar em papel.
Mas se tal não acontecer não fico muito preocupado e a Literatura portuguesa não perde grande nem valioso espólio.
 
Conceição Bernardino:
 
- Como liga nos dias de hoje a sua prosa ao mundo actual.
 
Os meus textos são essencialmente localizados em ambientes urbanos do último quartel do século passado que são os que melhor conheço. Tenho alguma dificuldade em dar vida a personagens que sejam jovens da actualidade.
Penso que nas minhas prosas estão quasi sempre expostos, de modo mais aberto ou mais subtil, as pessoas e os problemas do mundo actual ou de um passado recente.
A infidelidade é um tema recorrente nos meus trabalhos, talvez porque penso que os homens são essencialmente polígamos ao contrário das mulheres (mas isto está a mudar...e pelo lado feminino)
 
- Acha que se escreve boa prosa em Portugal, quais os seus autores preferidos?
 
Actualmente, pouco ou nada leio!
Mas já o fiz muito em diversas fases da vida.
Victor Hugo é, para mim, um autor empolgante: o único verdadeiramente grande romântico.
Em língua portuguesa coloco em destaque o Eça de Queiroz e o Jorge Amado.
Embora não aprecie poesia, não quero deixar de destacar o Camões e o Guerra Junqueiro que tão mal tem sido tratado pela intelectualidade lusa.
 
Goreti Dias:
 
- Nos teus contos, onde acaba o real e começa o imaginário?
 
Os meus contos (eu diria os trabalhos de ficção pois já tenho umas 3 ou 4 novelas escritas) são essencialmente fruto da imaginação apesar de, como não podia deixar de ser, ir muitas vezes buscar inspiração a pessoas que conheço ou conheci. E há também uma componente autobiográfica que é inevitável, mesmo que não se tenha consciência disso. Mas as histórias são inventadas por mim. Quando tenho uma história verdadeira que acho merecer divulgação, apresento-a como tal.
 
- Que pensas da actualidade editorial portuguesa?
 
Não conheço minimamente bem o meio, mas parece-me que havendo tantos e tantos autores novos, as editoras apostam no seguro: os consagrados e as figuras públicas que muitas vezes nem escrever sabem.
 
Mel de Carvalho:
 
- Sendo o António um prosador com blog próprio como vê  e sente a interacção do que escreve na comunidade blogueira? Que balanço faz do tempo que despende na blogosfera? Tem curiosidade sobre o perfil de quem o lê?
 
Comecei a escrever em blog no mês de Fevereiro de 2005.
Ao fim de dois ou três meses os meus textos já tinham muitas visitas e comentários. Esta situação manteve-se durante esse ano e ainda 2006 e grande parte de 2007.
Depois notei uma quebra acentuada na procura dos meus escritos: não sei exactamente o porquê, mas hoje estou convencido que o meu tempo de ser "escritor de blogs" se aproxima do fim.
Aliás, tudo na vida nasce, cresce, definha e morre.
Actualmente a minha navegação por blogs é muito reduzida mas, nos tempos áureos, eram muito gratificantes as horas que por lá andava.
Penso que a qualidade dos blogs baixou na razão inversa do seu número crescente.
Em relação à terceira parte da pergunta, devo dizer que sim: tenho curiosidade sobre o perfil de quem me lê.
 
- O EscritArtes é muito mais do que um local de divulgação da palavra escrita. A arte, de forma geral anda por aqui de mãos dadas com os signos (fotografia, pintura...), em muitos casos complementando-se mutuamente. Para além da prosa, existe algum interesse seu de que nos queira falar, por exemplo, leituras, passatempos e outros?
 
Na área artística não tenho mais nenhuma actividade, mas interesso-me por várias formas de expressão artística,  com destaque para a música e o cinema.
Curiosamente, agora que deixei de trabalhar, uma actividade que me interessa (para já de forma platónica) é a organização de eventos no campo das artes e das letras.
 
- Se tivesse de eleger um escritor consagrado como aquele que mais o marcou em toda a sua vida, quem escolheria?
 
Dois: Victor Hugo e Eça de Queiroz


publicado por António às 13:42
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Sábado, 8 de Março de 2008
Uma cena da vida...ou talvez não!

Cheguei a casa eram duas da manhã.

Abri a porta da garagem com o telecomando e, embora com dificuldade, arrumei o carro. Acho mesmo que bati em qualquer coisa, mas o teor de álcool no sangue devia ser bastante elevado que não tive a certeza. Tivera sorte em não ser apanhado pela polícia, na rua.

Tranquei o carro carregando no botão do comando, saí e fechei a porta da área de parqueamento.

Já estava a tentar meter a chave na fechadura da porta de casa quando me lembrei:

- Mas não estava lá o outro carro!

O outro carro era o da minha mulher.

Voltei para trás e confirmei.

- Mas que raio terá acontecido?

Fui para casa a matutar no assunto.

Ao fim de uns poucos minutos a tentar abrir a porta, entrei e acendi as luzes.

Subi as escadas e fui ao quarto.

A cama estava vazia.

- Mas que é isto?

Os dois filhos tinham ido passar umas pequenas férias para o estrangeiro pelo que percebi que estava sozinho em casa.

O que acontecera com a minha mulher?

- Madalena! – gritei.

Mas, naturalmente, ninguém respondeu.

Para cortar o efeito do álcool fui à casa de banho para cheirar um pouco de amoníaco.

Foi então que vi um papel manuscrito que estava preso por uma pequena tira de fita-cola no espelho.

Removi-o e comecei a ler:

“Duarte:

Estou farto de aturar as tuas saídas nocturnas, as tuas bebedeiras, as tuas traições, a cumplicidade dos teus amigos, a indiferença com que me tratas. Hoje o copo transbordou e fui para casa dos meus pais. Não haverá retorno.

Amanhã vou falar com um advogado. Aconselho-te a fazer o mesmo.

Também virei aqui buscar mais roupas e outros pertences.

Vou telefonar aos nossos filhos para lhes dizer que finalmente tomei uma atitude.

Apesar de tudo espero falar contigo mais vezes (desde que estejas sóbrio e suportável) pois há muitas coisas que temos em comum e muitas outras decisões a tomar. Gostaria que concordasses com um divórcio amigável para que não seja tudo ainda mais penoso.

Madalena”

Fiquei provavelmente com uma cara como nunca antes tinha mostrado a ninguém, nem aos espelhos, mas o raciocínio estava toldado e não conseguia coordenar ideias.

Só lavei o rosto e bochechei com água fria.

Fui para a cama vestido e calçado, estirei-me e adormeci quasi de seguida.

Na manhã seguinte acordei, a boca tinha aquele sabor típico das ressacas. O estômago estava ardente e pensei que tudo o que se passara na noite anterior, e de que nem lembrava muito bem, não fora mais que um sonho mau.

Levantei-me.

Vi o papel e reli-o.

Espreitei para o interior dos móveis e constatei que faltava roupa da minha mulher.

Também só então me apercebi de que os artigos de higiene e cosméticos tinham desaparecido quasi todos.

Olhei para o relógio.

- Meu Deus! Já passa das onze…

Mas, em vez de me lavar e vestir, sentei-me na borda da cama a pensar.

- Que se lixe o trabalho!

- E agora que vou fazer?

E continuei meditabundo.

De repente levantei-me, peguei no telemóvel e marquei.

- Leonor! Ainda estou em casa. Sabes que a minha mulher me abandonou e vai pedir o divórcio?

E contei-lhe tudo aquilo de que me lembrava.

- Queres que vá para tua casa? Agora?

- Está bem! Daqui a uma hora lá estarei.

- Queres que leve as coisas para ficar aí? Vais apoiar-me? És tão querida, Leonor!

- Achas que é melhor eu esperar e tu passas por cá?

- Tens razão! Não estou em muito bom estado. Então cá te espero…



publicado por António às 18:23
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Sábado, 1 de Março de 2008
Sentido

O homem era forte como uma formiga e valente como uma hiena.

Partiu determinado a encarar olhos nos olhos o seu novo inimigo seguindo o sentido indicado pelas setas nas ruas e estradas. Mas perdeu-se e, depois de andar por cem sentidos à deriva, o seu sentido de orientação fê-lo retomar o sentido correcto e prosseguiu perguntando a este e àquele por que percurso devia seguir a sua marcha.

Andou, andou, andou…até que chegou junto do velho de 80 anos que queria enfrentar.

Mas o seu novo velho inimigo (ou velho novo inimigo?) esperava-o em trajo guerreiro armado de uma fisga de última geração, com um aspecto podre e um cheiro fedorento, mas com os cinco sentidos bem despertos.

O recém-chegado começou por se rir à gargalhada, mas uma pedra certeira lançada pelo David fê-lo cair sem sentidos depois de ter sentido uma dor aguda na cabeça.

Peço desculpa pela falta de sentido deste texto, mas eu ando muito sentido porque a minha mulher me quer manter em sentido e, para mim, fazer sentido chegou enquanto andei na tropa.

Agora faz sentido tentar perceber a moral da história: pensem e cheguem às vossas conclusões.

E, se quiserem, digam o que lhes aprouver…mas com sentido!



publicado por António às 14:55
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