Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Já há vários anos que, algumas das vezes que ia a uma consulta médica e a conversa a tal se proporcionava, me diziam os clínicos:
- O senhor devia fazer uma colonoscopia.
- Mas eu faço todos os anos um check – up que inclui uma pesquisa de sangue oculto nas fezes – ripostava, pensando no que ouvia dizer de terrífico sobre o exame que me sugeriam.
- Não queira comparar a profundidade de um exame e de outro. Não se esqueça de que o cancro do cólon é dos que mais mortes provoca em Portugal e é muito silencioso. Aliás, é recomendado fazer um exame destes aos cinquenta anos. E a detecção de algo maligno, quanto mais precoce for mais aumenta as hipóteses de tratamento bem sucedido.
E fui ouvindo esta conversa ao longo dos tempos.
Finalmente, e quando estava numa consulta de hematologia no hospital Pedro Hispano (de Matosinhos), referi que me tinha aparecido uma bolinha no esfíncter anal e que um médico de clínica geral diagnosticara como uma hemorróida para a qual receitara alguns medicamentos.
Diga-se que antes tinha ido consultar um gastrenterologista numa clínica privada e o cavalheiro se tinha recusado a olhar para o meu orifício anal.
Sinceramente, em condições normais, não estaria muito interessado em que ele o fizesse, mas dadas as circunstâncias…
- Só faço um diagnóstico perante uma colonoscopia – disse o cretino.
Estive mesmo para fazer queixa do ilustre doutor mas, para não me chatear mais, deixei morrer o assunto
Também relatei esta insólita negação à doutora que me perguntou:
- Não quer aproveitar e eu peço agora uma colonoscopia para si?
- Vamos a isso!
Explicou-me que, para ser mais rápido, o exame seria feito no exterior, por outra entidade e falou mais coisas que agora não vou escrever senão o texto ficava ainda mais aborrecido.
E assim fui à Rua Sá da Bandeira, a um ponto de atendimento do Instituto CUF, onde me deram instruções e disseram que o exame seria feito junto da paragem do Metro das Sete Bicas, na Senhora da Hora. Também combinamos os parâmetros temporais: 14 de Novembro de 2008 às dez da manhã. Eu falei na sedação e a senhora disse-me que só faziam exames destes com anestesia geral. Mandou-me efectuar um electrocardiograma e uma análise ao sangue específica, avisou-me que não deveria deslocar-me ao local do exame a conduzir e era muito conveniente levar alguém comigo para fixar alguma coisa que me dissessem no final e que eu esquecesse devido à anestesia.
Curiosamente, a tal bolinha desapareceu, mas continuei decidido a fazer o exame.
Entretanto fui ouvindo, da parte de quem já o fizera, coisas horrorosas sobre a sua prática a frio (mas isso não me incomodava) e sobre a preparação prévia.
Era preciso ingerir 4 litros de água com um produto, o Klean-Prep, dissolvido que, além de ser de um mau paladar atroz provocava uma tremenda diarreia para cumprir a finalidade para que era utilizado.
Foi, portanto, com algum temor, que na antevéspera da intervenção que me iria acabar com a virgindade anal de forma tão radical (os toques rectais são uma brincadeira comparados com isto), comecei a fazer uma dieta de acordo com as recomendações que me haviam sido fornecidas.
Depois li com toda a atenção a parte referente à preparação e ingestão do tal produto de limpeza intestinal. E resolvi preparar copo e medidores para fazer 20 tomas de 200 ml cada uma, colocando a solução no frigorífico para cortar o mau paladar.
Às cinco da tarde comecei, para terminar tudo às duas da manhã e, nas oito horas que decorreriam até ao momento da verdade não deveria ingerir rigorosamente nada.
E assim, chegado o momento programado, comecei a beber a zurrapa.
Mas, surpresa das surpresas, o líquido era perfeitamente bebível, não sendo nada aquela coisa abominável que me tinham descrito.
E entre as tomas, o PC e o WC, para onde comecei a deslocar-me com frequência a partir de certo momento, acabei por passar uma noite diferente e estranhamente divertida.
Adormeci sossegadamente cerca das três da matina.
Às sete comecei a ouvir a música do rádio-despertador e às nove eu e a minha mulher entramos para um táxi que tinha sido reservado na véspera.
Chegados ao 3º andar do edifício do Instituto CUF, e depois de tratadas umas rápidas burocracias, fui chamado para uma câmara onde me despi completamente e vesti uma roupa num tecido que me pareceu ser “tecido não-tecido” mas não tenho a certeza.
As calças tinha uma abertura da parte de trás, por razões óbvias.
Deitei-me numa cama até que a menina que me conduzira voltou tendo dado indicações à Maria Fernanda para sair e levou-me para aquilo que eu penso seria um bloco operatório ou coisa parecida.
De referir que, como nunca havia sido sujeito a uma anestesia geral, tiveram de me indicar ao pormenor tudo o que eu devia fazer. Um tubo no nariz, uma injecção, um pouco de conversa e alguém disse:
- Agora?
E só me lembro de ter acordado num repente já na câmara onde ficara a minha roupa. Sentia-me óptimo. Limpei-me, vesti-me, e levaram-me para outro local onde me serviram um chã e uma bolachas que me souberam muito bem mas também “a pouco”. Entretanto chegou a minha mulher. Quis saber pormenores mas eu só lhe pude dizer que estivera todo o tempo a dormir…
Pouco depois veio a médica que fizera a colonoscopia (sempre tinha sido melhor que a virgindade me tivesse sido tirada por uma senhora do que por um homem – preconceitos…) e disse que tudo tinha corrido muito bem, que tinha removido dois pólipos que seriam analisados no Pedro Hispano e que me podia ir embora, não sem antes passar pela recepção onde me entregariam o relatório. Nele se dizia que as paredes da mucosa não apresentavam lesões além de referir a existência dos dois pólipos (5 e 10 mm) e a correspondente polipectomia.
Pedimos para chamarem um táxi e, bem disposto mas ensonado, cerca de meia hora depois estava repimpadamente instalado em casa onde fiz uma ligeira refeição à base de fruta para cerca de uma hora depois me ter deitado para dormir uma soneca.
E assim acabou a saga da colonoscopia.
Penso que foi mais chato para algumas pessoas terem lido isto tudo do que, para mim, fazer o exame.
Digam lá se não tenho razão!