Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Terça-feira, 18 de Agosto de 2009
Verões no Minho, junto ao mar (parte II)

Quando tinha doze anos aconteceu o imprevisto: após quinze dias de doença galopante finou-se o meu tio Mão, com cinquenta e poucos anos. O seu primogénito, meu primo Jorge, passou a ser o responsável pelo negócio juntamente com a mãe (que demorou bastante tempo a recuperar do choque da morte do marido). O pai fizera obras, acrescentando um andar ao edifício e o filho, mais tarde, lograria a promoção a Hotel. Fez também melhoramentos por duas ou três vezes.

A Estrada Nacional 13 passava pela central Praça da República. Para norte tomava o nome de rua 5 de Outubro, para sul, o de rua 31 de Janeiro.
A Pensão ficava na primeira zona que referi. Também lá vivia, um pouco acima, uma outra irmã de minha mãe, a tia Zé, que era minha madrinha. A unidade hoteleira fazia esquina com a rua do Sol Posto onde, mais tarde, os Meira construíram um prédio com quatro habitações: uma para a mãe e as outras três para cada um dos filhos. Nesse troço da 13 havia a casa Portela, a dos irmãos Ramos e a do Luis Gomes, que vendiam roupas e fazendas, o café do Tirinho (o nome provinha de uma tentativa de suicídio por amor, disparando uma bala na boca, mas o resultado foi só ter ficado com a boca torta para sempre) e o do Luis, o talho da Anésia, a mercearia e a salsicharia do Cindo, a Pensão Miramar (muito fraquinha), a mercearia da Bina da Biandota, os Correios, a casa da Sarinha (de onde se podiam fazer ligações interurbanas e que muito desanuviava os CTT na época balnear), as alfaiatarias do Zourinha (Espincha) e do Zezinho, a garagem do Rocha, os bombeiros e o seu Cine-Teatro. Havia ainda a casa do juiz desembargador Morais Cabral e da mulher Maria Ângela (tinham um filho rapaz, o João Adelino e uma rapariga, a Tininha, que foi locutora da Rádio Portugal Livre, na Argélia, e já faleceu). Isto para não ser exaustivo…
Na rua do outro lado havia o barbeiro António “Poupa”, o posto da GNR, a casa de pasto Flora, o posto da Shell com o Ernesto gasolineiro, a casa do Dr. João, a do Dr. Mesquita e a do Luis Gomes e mais o que agora não recordo.
Nessa Praça principal, também chamada Largo, nascia a rua Cândido dos Reis que levava à “meia-laranja”, como já escrevi. Era lá, bem no coração da terra, que se realizava a feira semanal, às quintas, e se situavam a capela de Nossa Senhora da Bonança, padroeira da vila, o Café Central com a sua esplanada, a Farmácia do Brito e a Moderna, um talho, uma padaria (onde muitas vezes, lá pelas duas ou três da manhã, íamos ao pão quente), uma oficina de bicicletas do pai daquele que é hoje o bem conhecido Quim Barreiros, a Assembleia Ancorense, a Sociedade Ancorense (já na entrada da rua Miguel Bombarda que conduzia ao Calvário), a barbearia do Miro, a loja do Correia, a Capitania (que mais tarde deixou de haver em Âncora), a casa do Dr. Alfredo Pinto e nem sei que mais…
Após o falecimento do meu tio deixamos de ir para a Pensão e o meu pai passou a alugar uma casa durante o mês de Agosto. Todavia, enquanto andava no liceu e nos anos em que não havia exame final, eu ia para lá durante cerca de três meses, alojando-me na Pensão enquanto a casa de veraneio ainda não estava arrendada. Ficava muito moreno e gozava com os banhistas que chegavam, ainda com a tez muito clara.
 
Foi quatro anos depois do passamento do meu tio que se deu a grande viragem no estilo das minhas férias em Vila Praia.
Depois de ter concluído o antigo 5º ano dos liceus (dispensando de exame, diga-se, para saberem como era um aluno aplicado), no 6º fiquei na mesma turma de dois irmãos que conhecia de vista, quer do Alexandre Herculano, quer de Âncora: O Décio e o Zé Baganha que, no mês de Agosto, assentavam arraiais em Afife, terra da mãe e que ficava muito poucos quilómetros a sul da minha praia. Tornámo-nos amigos, começamos a estudar juntos no café Estádio e depois no Scala, na praça de Velasquez, no Porto (e aí me introduziram no vício do tabaco) e passamos a ser compinchas na praia da foz do Âncora. Como eles conheciam muitos veraneantes, eu rapidamente fui integrado num grupo.
Lá estavam o Zé Manel Capela (o loiro Zé Piroco) de Braga, o Zé Pardal da mesma cidade, o Luis Sampaio do Porto, o Hernâni (Licas) dos Arcos de Valdevez, o Zé Luis Rodrigues de Lisboa mas com origem monçanense, os seus primos Zé Antero e Vitorino (Vito) da mesma vila de Deu-la-deu Martins, o Carlos Jorge (filho do meu antigo professor de Matemática, Pedro Pinheiro Gonçalves que, infelizmente, estava limitado por uma trombose de que fora acometido) do Porto, o Carlos (Carlinhos maluco, ou Carlos Oliveira Duarte) de Lisboa, se bem me lembro, o Carlos Júlio de Ponte de Lima e meu colega de curso, os filhos e sobrinhos do “Samarra”, monçanense que viria a ser o Comendador Gonçalves Gomes (o Manel Campos, casado com uma filha do chefe do clã, o irmão Sebastião, e os herdeiros mais novos – Tó, Perfeita e Aida), os filhos do reitor do liceu de Guimarães (Isilda, Regina, Américo, António e Fatinha), o Manel Augusto, o Tó Enes, o João e a irmã, filhos de um médico em Esposende, o Manel Luis de Lisboa, que tinha uma gargalhada soluçante que contagiava toda gente especialmente nas sessões de cinema, o Zé Manel Puga de Monção, o Diomar e o Adélio de Ermesinde (este pouco andava com o grupo), o Camilo que jogava voleibol no Francisco de Holanda de Guimarães, etc.
Uma tarde, estava eu na marginal com o Zé Piroco quando ele disse:
- Ó pá! Já viste aquela loira ali nas dunas?
- Parece ser um borracho! – retorqui.
- Vamos lá!
E fomos. Quando estávamos mais perto o Piroco exclamou:
- Porra! É a minha irmã!
E era, de facto, a mana de onze anos do meu parceiro.
Retomando o fio à meada.
Fui conhecendo muita mais gente. Aliás, embora houvesse alguns grupos, todos falavam com todos.
Aqueles a quem chamávamos “copinhos de leite”: o Isaías e a irmã Luisa Finkelstein, o Zé António Salvado, o Guilherme Leal, a Julinha e os irmãos Luis, Mané e Laura, o Carlos Areias e a irmã Leonor, todos do Porto, a Guida e o mano Luis, irmãos do Zé Luis que já referi e filhos do sportinguista Luis Rodrigues que chegou a tentar levar alguns jovens para os lados de Alvalade (eu incluído, vejam bem!), as filhas do Zé Luis de Guimarães, homem da têxtil que faleceu prematuramente, e outros.
Havia o grupo do Américo Henrique, meu colega no liceu, que incluía o Henrique Nunes e o irmão, o Zé Fiúza e várias moças do Minho; o grupo dos anafados filhos dum empresário têxtil de Pevidém chamado Campos (um filho morreu com problemas cardíacos com pouco mais de vinte anos); o dos Cunha de Riba d’Ave (Lena, Bela, Lua, Pim, Nené, Paula…); as sobrinhas do Cerqueira, também de Braga e hóspede habitual do Meira, sendo que uma delas foi minha colega de curso, a Zé Cardoso. De referir um tipo um tanto solitário, o Mário Pedra de Valença, que viria a ser Presidente da Câmara daquela vila, tendo falecido precocemente aos quarenta e poucos anos de idade.
E muita gente de Âncora. O Nuno Mesquita, o João e o Rui Taxa e também o Carlos Pinto (um tipo porreiro que se tornaria esquizofrénico). Estes tinham a particularidade de ser filhos dos três médicos que viviam na terra: o Mesquita da Silva, o João Araújo e o Alfredo Pinto. O último viria a ser o Governador-Civil de Viana do Castelo à data do 25 de Abril. Também as filhas da Anésia, o Chico Presa, filho do dono da já referida fábrica da manteiga que bastantes anos depois viria a falir, o João Cunha, o Zé Carlos que foi jogador do Vitória de Guimarães, o Álvaro Meira, enorme talento de artista plástico nunca aproveitado, o Zé Pedro Neves (Flautas), o meu primo Fernando Meira que namorava a Teresa, uma rapariga de Viana com quem ainda hoje é casado, etc.
 
Não posso esquecer duas figuras típicas: o Engenheiro e o Professor de Letras. O primeiro era um sujeito sem idade bem definida pois levara uma vida complicada. Fumador, beberrão e contrabandista de baixa estirpe, apresentava o rosto e as mãos muito envelhecidas, mas o cabelo ainda era bastante e penteado para trás com brilhantina ou qualquer outro produto oleoso. Vestido sempre com muita roupa, suja e mal arranjada, escondia assim a sua magreza. Tinha um ar desprezível mas, vá-se lá saber porquê, caiu na graça de muita da rapaziada. Talvez porque contava histórias interessantes, talvez porque tinha algum sentido de humor. Era vê-lo sentado na esplanada do café Central a pedir um chá preto ao empregado (alguém se encarregaria de o pagar). E pouco depois estava na mesa um pires, uma colher, um pacote de açúcar e uma chávena cheia de um líquido negro que não era senão vinho tinto. Ele pegava na asa com todo o requinte, segurando-a entre o indicador e o polegar e com os outros dedos afastados, levava a bebida aos lábios e dizia:
- Está muito quente! – e ia soprando suavemente para dentro do recipiente fingindo arrefecê-lo.
O meu pai, quando eu falava nele, costumava dizer:
- Andas com muito boas companhias!
Uma noite, numa altura em que já havia mais malta com carro, guiou-nos a uma festa num pequeno lugarejo da serra, São João d’Arga, que era basicamente uma pequena praça quadrada com habitações típicas em três dos lados, todas elas mais ou menos iguais, com um piso, e no centro havia uma minúscula capela. Em torno dela andavam de joelhos ou rastejando os penitentes, sobretudo mulheres. Tudo isso me fez lembrar os tempos medievais. Mas havia muita mais gente do que eu poderia imaginar (sobretudo imigrantes). Parece que os aldeões das redondezas depois dormiam ao relento e nove meses mais tarde a natalidade tinha um pico.
O segundo (o Professor de Letras) era um rapaz só um pouco mais velho do que nós.
Era alto e magro, muito moreno, com o cabelo assaz encaracolado e andava sempre muito bem vestido e a tentar engatar toda a mulher, mais nova ou mais velha, solteira, casada, viúva ou divorciada que lhe avistasse. Não trabalhava e parece que vivia à custa da mãe que se orgulhava de que o seu filho fosse tão popular. E era-o, sem dúvida!
O nome devia-o ao facto de ter conquistado uma moça das redondezas havendo-lhe dito que trabalhava como professor de letras. O pior foi que alguém avisou o pai da rapariga de quem ele era, realmente, e numa das suas idas a casa da namorada quem apareceu foi o potencial sogro que lhe deu uma valente sova.
Ficou para sempre conhecido como o Professor de Letras, embora se chamasse Jorge.
Quando, mais tarde, tinha um carro, aliás cedido por uma fulana que o compensava assim de momentos de prazer, à noite circulava com ele lentamente pela Avenida com as luzes interiores acesas para se fazer notado.
Um castiço!               


publicado por António às 21:59
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13 comentários:
De wind a 19 de Agosto de 2009 às 10:31
Bem, cansei-me a ler tanto nome, não sei como te lembras.lololol
És de facto muito bom nisso:)
achei imensa piada ao engenheito:))))
Beijos


De António a 19 de Agosto de 2009 às 12:04
Olá, querida Isabel!
Eu sei que este tipo de texto é chato para quem está a ler e não conhece as pessoas (o Quim Barreiros conheces...eh eh), mas em memórias não se pode omitir certas coisas senão deixavam de ser memórias.

Beijinhos


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