Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Quarta-feira, 27 de Junho de 2007
Histórias curtas XXVII - Uma avaria no alto da serra
Simone Cabral trabalhava no sector de Assistência Técnica duma empresa de representações de equipamentos mecânicos.
Com o curso de engenharia de máquinas do Politécnico tirado sem qualquer reprovação, cedo arranjou estágio na firma para a qual trabalha há dez anos.
Depois esteve dois anos com contrato a prazo mas, ao fim desse tempo, a chefia propôs à administração a sua integração nos quadros da empresa.
As condições eram agradáveis e ela gostava do trabalho de percorrer o país, agora numa nova e espectacular pick-up todo-o-terreno Nissan Navarra Pilot de 2007 que a empresa comprou de propósito para ela visitar os clientes que tinham problemas com os produtos adquiridos à sociedade técnica e comercial
Resoluta, desenrascada, de raciocínio rápido e uma intuição técnica pouco comum nas mulheres, sentia-se muito bem com os seus trinta e quatro anos e um corpo alto e de estrutura larga. Não era gorda mas tinha um físico que impunha respeito aos homens. Uma cara simpática com uns olhos muito vivos, uma fileira de dentes alvos e certinhos, cabelos curtos com madeixas de vários tons, desde o castanho como as suas pupilas ao loiro claro, uma voz um tanto grave com óptima dicção, não era pelo aspecto geral um tanto masculinizado que deixava de agradar aos homens.
Enfim! Aquilo a que se poderia chamar de “uma mulheraça”.
Adorava automóveis e mecânica e agora pouco andava no seu Ford Focus pois a nova máquina da empresa era a menina dos seus olhos.
Vivia sozinha num apartamento situado não longe da sede da firma e tinha um namorado com quem partilhava a cama algumas vezes por semana: umas vezes no quarto dela, outras no do flat do João Colaço.
Apesar de trintona não sentia o apelo do matrimónio nem da maternidade, maugrado as insistências do seu parceiro, também ele um calmeirão com bastante peso acima do recomendado pelos médicos. Era mais velho do que ela dois anos e conheceram-se no Instituto enquanto estudantes, mas a grande aproximação fez-se quando se reencontraram no casamento de uns amigos comuns.
 
Uma chamada urgente mesmo ao fim dum dia de trabalho, fê-la levantar-se cedo na manhã seguinte para ir até um cliente cujo centro de laboração ficava a cerca de 150 km.
Saiu de casa pelas sete e meia e preferiu guiar pela estrada da serra, coisa que gostava muito mais de fazer do que ir pela auto-estrada que seria um percurso mais rápido mas que lhe dava menos deleite.
Ao fim de umas dezenas de quilómetros a subir, numa recta com uns setenta metros praticamente no início da zona descendente, foi sinalizada por uma luz vermelha de que a temperatura da água de refrigeração estava alta.
Parou e saiu.
Nem vestiu o colete nem foi colocar o triângulo lá para trás pois a primeira coisa que quis fazer foi observar a zona do motor.
Lá estava um tubo de água fendido e a verter.
- Bolas! Um carro caríssimo e novo já com um problema destes! – falou entre dentes.
Pegou no telemóvel e ligou para a sede. Falou com o chefe Romeu Caeiro, que já lá estava, e contou-lhe o sucedido.
- Que chatice, Simone! Assim vai ter de ser rebocado – disse o homem.
- Claro! Eu tenho aqui o número do telefone da seguradora e vou ligar já para eles me mandarem um reboque. Estou a falar consigo, não só para comunicar o que aconteceu mas para pedir que alguém venha ter comigo para me levar ao cliente. Estou praticamente no cimo da serra. Que tal o Arnaldo? – falou a jovem mulher.
- Está bem! Ligue então para a seguradora que eu vou tratar de mandar alguém ter consigo.
- Pronto! Vamos comunicando. Até já!
Ainda ligou para a companhia de seguros que prometeu chegar o mais depressa possível ao local para transportar a viatura empanada para uma oficina a combinar.
Só depois se lembrou de ir colocar o triângulo e vestir o colete amarelo.
Sentou-se na pick-up, ligou o rádio e começou a ler algo relacionado com o trabalho.
Pouco depois recebeu uma mensagem no telemóvel em que o seu chefe Caeiro lhe confirmava que o Arnaldo acabara de sair.
Voltou a mergulhar os olhos na papelada.
O trânsito era muito pouco e mal reparava nele.
Por isso também não viu um Opel Corsa que passou por ela no mesmo sentido. E muito menos reparou que passado pouco tempo o mesmo carro surgiu em sentido contrário e estacionou nas traseiras da sua Nissan.
Dele saiu um trintão, com aspecto de rufia, que se aproximou da viatura avariada e interrogou a condutora:
- Precisa de alguma coisa?
Ela olhou, sorriu, e respondeu:
- Não, obrigado! Tenho o carro avariado mas já vem aí o reboque.
- Mas tem a certeza?
- Tenho, muito obrigado – retorquiu a Simone.
- Então tenha um bom dia! – e regressou ao Corsa, o homem.
A engenheira continuou absorta a ler os seus papéis e não viu que do carro estacionado atrás do dela saíram então mais três homens.
Quando deu por ela, estavam dois sentados atrás, um ao lado dela, e aquele que fora tão prestimoso abrira a porta do seu lado e apontava-lhe uma faca:
- Anda filha! Vamos dar ali um passeio – convidou o meliante após o que soltou uma gargalhada da qual fizeram eco os outros.
- Sai por aquele porta e depressinha! – ordenou o mesmo tipo que aparentava ser o chefe do bando.
E falando para o que estava sentado no banco ao lado da Simone:
- Puxa-a por esse lado.
Encostou o bico da arma branca na coxa da mulher que sentiu que a ganga da calça fora trespassada e a pele tocada.
Achou por bem obedecer.
Não adiantava nada gritar pois não se via vivalma e pouco depois essa hipótese foi descartada pois, já fora do carro, lha amarraram as mãos atrás das costas e puseram uma tira de fita-cola industrial na boca.
- Vá! Desce! – continuou a ordenar o mandão.
Ela viu que estava na berma e que para lá dela havia uma pequena ribanceira que terminava numa zona plana uns três ou quatro metros abaixo. Se descesse deixava de ser visível da estrada e, se a intenção dos homens fosse violá-la, havia árvores e arbustos em quantidade suficiente para ficarem bem escondidos.
- Tirem-lhe o telefone e tudo o que tenha valor e metam no Corsa e depois vamos levá-la para baixo antes que apareça alguém.
- E tu escusas de estar a olhar para a matrícula do nosso carro porque é roubado – disse para a mulher que tentava coordenar ideias no meio da surpresa de que ainda não se tinha refeito.
- Oh Quim! Tu ficas aqui para dares o alerta se alguém parar. Mas não te preocupes porque depois serás rendido.
E, com uma corrida descendente, os outros quatro rapidamente estavam na plataforma arborizada.
- Tirem-lhe a roupa! – ordenou a Zé da Coca, como era conhecido o líder dos meliantes.
Apesar da Simone ter esperneado o mais que pôde, a diferença numérica impôs-se e ela ficou sem os sapatos, sem as calças de ganga, sem as meias-calças, sem a camisola e sem a camisa.
Teve frio, mas ainda lhe arrancaram o soutien e as calças interiores.
E assim ficou completamente à mercê da cáfila.
Entretanto foi deitada e amarrada de mãos a uma árvore enquanto dois meliantes lhe abriam as pernas.
- Boa febra! – comentou o Zé enquanto baixava as suas calças e ajudava o membro viril a manter-se erecto.
- Vem aí o jipe da Guarda! – gritou o sentinela Quim.
Os de baixo pararam todos.
A mulher sentiu que talvez fosse a sua oportunidade de não ter de passar pelo momento mais horrível de toda a sua vida.
- Se eles pararem salta cá para baixo e pirámo-nos todos – falou o da Coca.
O suspense manteve-se com todos parecendo estátuas.
Ouvia-se o ruído do motor do carro da GNR e foi claramente perceptível que ele ía parar.
O Quim Barnabé desceu depressa, dizendo:
- Pararam!
E os quatro violadores falhados desceram da plataforma por uma outra ribanceira para não mais serem vistos pela prisioneira.
A viatura da Guarda parou, os soldados saíram e foram espreitar a pick-up por dentro e por fora; fizeram o mesmo no Corsa.
- Esquisito! – disse um deles.
- Dois carros e ninguém à vista! Será que estará gente ali em baixo?
E espreitaram para a zona plana onde estava presa a vítima. Esta abanou com força um arbusto usando os pés e assim chamou a atenção dos dois homens.
- Parece que está ali alguém! Vai lá ver!
O menos graduado obedeceu e pouco depois disse:
- Venha cá ver isto!
O outro aproximou-se do camarada e ficaram os dois a olhar para a rapariga.
Esta, completamente desnuda, leu no olhar dos homens um frémito de concupiscência.
- Meu Deus! – pensou – Será que estes sacanas se vão aproveitar de mim?
E não tardou que o primeiro a descer sussurrasse para o outro:
- E se aproveitássemos este presente de Deus?
O outro ficou pensativo durante uns demorados segundos até que, finalmente, disse:
- Não! Isto não é um presente de Deus! É um presente do Diabo.
Pouco depois estavam os três em cima, junto aos carros, e não tardou que chegasse e parasse um novo carro.
Era o Arnaldo que viera a acelerar o mais que podia.
Viu os da GNR e comentou:
- Então, engenheira! Há mais algum problema além do carro avariado?
- Quando lhe contar nem vai acreditar, Arnaldo! – disse ela, ainda visivelmente combalida.


publicado por António às 12:50
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40 comentários:
De Peter15 a 27 de Junho de 2007 às 14:26
Uma boa história, no estilo a que nos habituaste e com um final feliz.


De António a 27 de Junho de 2007 às 19:00
Olá, Peter!
Obrigado pela tua visita e comentário.
Muito brevemente irei ver as tuas novidades.

Um abraço


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