Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Terça-feira, 11 de Dezembro de 2007
Histórias curtas XXXIV - Ao serviço da Santa Madre Igreja
Reconversão do texto “Diálogos de gente XIII – O padre e a beata” de 19 de Maio de 2006
 
Carmen era uma simpática mulher de trinta e muitos anos, solteira, alta e magra, muito religiosa, que estava na Igreja fazendo as suas orações.
- Ora aqui está uma menina como há poucas! – disse uma voz suave, de homem.
A mulher olhou para trás e viu o padre Jacinto, de sorriso aberto.
- Boa tarde, senhor padre!
- Boa tarde, menina Carmen! É com muito gosto que venho apreciando a sua grande devoção. Estou nesta igreja há muito pouco tempo mas não podia deixar de reparar que vem cá todos os dias depois do almoço.
- Mas como é que o senhor padre sabe o meu nome? – perguntou a solteirona.
- Ora! Ora! Tenho obrigação de conhecer os paroquianos mais assíduos – esclareceu o novo pároco.
Era um homem dos seus cinquenta anos, cabelos todos brancos e tendo uma figura interessante. Pelo menos era considerado como tal por muitas das mulheres que frequentavam aquele templo católico.
Olhou para toda a nave e viu que só lá estava mais uma velhinha que também fazia as suas orações diariamente, àquela hora.
- Quando acabar, gostava de falar consigo, menina Carmen. Pode ir ter comigo à sala junto da sacristia? – pediu o sacerdote.
- Com todo o gosto, senhor padre – anuiu a crente que, ao mesmo tempo, teve uma estranha sensação ao longo da coluna. Aquele padre Jacinto deixava-a um pouco fora de si.
- Então até já! – despediu-se o clérigo que se deslocou com o seu fato preto para a porta de acesso à sacristia.
A mulher seguiu-o com o olhar, observadora e intrigada.
Passados pouco minutos levantou-se e dirigiu-se para a mesma porta.
Abriu-a e viu, sentado a ler uma revista religiosa, o padre.
- Posso entrar?
- Com certeza, menina Carmen! – disse o homem – Vamos então sentar-nos nesta mesinha e conversar sobre o assunto que me levou a chamá-la aqui.
A mulher sorriu e sentou-se em frente do reverendo Jacinto que a olhou com um sorriso um tanto concupiscente.
- Eu sei que é solteira e vive só. Que não tem familiares próximos e não tem namorado. Sabe porque sei isto, não sabe? Porque mo disse em confissão. Claro que eu não o vou revelar a mais ninguém – começou o padre.
A mulher corou, fez um sorriso de ingénua, mas nada disse. E ele continuou:
- Penso que tem disponibilidade para dedicar mais algum tempo às obras da Igreja. Como sabe, a D. Inocência, que organizava as viagens para os paroquianos juntamente comigo, foi a enterrar há dois dias. Deus tenha em paz a sua alma – disse, enquanto levantava os olhos para o tecto e se benzia.
- Era muito boa senhora! – interveio a beata.
- Pois eu gostava de a convidar para substituir a defunta senhora. – sugeriu o homem – Que me diz?
A mulher ficou com o rosto parado durante uns segundos mas pouco depois fez um belo sorriso e disse:
- Sinto-me muito honrada pelo seu convite. E, em princípio, aceito. Mas gostava que me desse um tempinho para reflectir e responder-lhe definitivamente.
- Com certeza! Se quiser, amanhã eu passo por sua casa para saber a resposta. Ou prefere dar-ma aqui na Igreja? Eu digo isto porque tenho alguma urgência. Gostaria de recomeçar o mais depressa possível a tratar do próximo passeio mensal que terá lugar no fim-de-semana depois deste. As acções necessárias foram interrompidas pela curta doença e passamento da D. Inocência.
A mulher pensou um pouco e respondeu:
- Está bem! Pode passar lá por casa. Mas então prefiro que seja à noite. Sempre é mais escuro e não gosto que as más-línguas comecem a falar. Só não percebo como sabe onde eu moro!
- Pois claro! Só me propus ir a sua casa porque sei que vive num andar e, portanto, não a vou comprometer, seguramente. Senão, nem pensar em lá ir! Quanto ao saber onde mora...nunca ouviu falar no Espírito Santo de orelha?
A mulher riu-se e retorquiu:
- Então, se aparecer hoje por voltas dos oito da noite, até pode jantar comigo.
O padre simulou uma cara de espanto como se não contasse com tamanha disponibilidade para servir tão devotadamente os desígnios divinos, mas o seu antecessor tinha-lhe passado o serviço a preceito. Levantou-se e disse com um sorriso rasgado:
- Lá estarei! Eu acompanho-a à porta. E espero que logo ao jantar já possamos conversar sobre a sua actividade.
Ela levantou-se também, começou a caminhar em direcção à saída e rematou:
- Em princípio, eu estou pronta a fazer tudo para agradar a Deus e à Santa Madre Igreja.
E não lhe faltava tempo. Além de viver só, herdara de um tio que não deixara descendência directa uns terrenos que vendera e ainda uma boa maquia em dinheiro. Comprara o seu apartamento perto da Igreja, deixara o seu emprego de costureira que laborava para uma modista com boas clientes e passou a fazer alguns trabalhos em casa para meia dúzia de senhoras abastadas que seleccionara dentre as que utilizavam os serviços da antiga patroa. Isso e os rendimentos que lhe davam os Certificados de Aforro que fizera permitiam-lhe encarar o presente e o futuro sem medo.
 
Às oito em ponto o reverendo Jacinto estava a tocar à campaínha da porta do apartamento pois a anfitriã já tinha vindo cá abaixo para deixar a porta da rua só encostada.
- Faça o favor de entrar, senhor padre – disse ela, mal franqueou a entrada.
- Muito obrigado! – respondeu o pároco enquanto se introduzia na habitação da interessante mulher.
Esta fez menção de lhe beijar a mão mas ele não o permitiu.
- Não estamos em nenhum acto oficial, Carmen...se me permite que a trate assim – ripostou ele.
- Com certeza!
- E também me pode tratar só por Jacinto. Os títulos e as etiquetas ficam para ocasiões mais formais.
- Não sei se deva...
- Claro que sim! Digamos que é essa a vontade divina – falou, com um sorriso malicioso, o homem.
- Então sente-se à sua vontade, Jacinto! Isto é um andar pequeno e modesto. Tem ali várias bebidas e copos: pode servir-se à vontade enquanto eu vou acabar o frango de cabidela – disse ela.
- Frango de cabidela? Até parece que adivinhou! Acho-o um prato delicioso.
- Ainda bem! Fui certamente inspirada pelos céus...
- Ou então é um anjo que anda na terra – adiantou-se o sacerdote.
- Não! Não sou anjo nem sou anjinha! Mas gosto de servir a Igreja e as pessoas que fazem parte dela – e foi para a cozinha.
O padre ía servir-se de um vermute mas lembrou-se que lhe faltava qualquer coisa e dirigiu-se para o compartimento onde a solteirona confeccionava o petisco.
- Carmen! Posso?
- Sim! Precisa de alguma coisa?
- Se não fosse muito incómodo, poderia dar-me duas pedrinhas de gelo e uma casquinha de limão? – pediu o reverendo enquanto apreciava o ainda elegante corpo da paroquiana.
- É para já!
E logo entregou ao homem o que este tinha pedido.
- Muito obrigado, Carmen! – e retirou-se para a sala onde preparou a bebida a seu gosto.
Mas pouco depois regressou à cozinha.
- Desculpe! Mas este cheirinho é delicioso...
- O Jacinto gosta do cheiro de frango, já percebi! – disse a mulher cada vez mais desinibida.
- Do cheiro e de o comer! – respondeu o padre no mesmo comprimento de onda – Posso cheirar a panela?
- Claro! Chegue-se para aqui. Até está mais quentinho. O Jacinto gosta das coisas quentes, não gosta?
- Adoro! Adoro! – ripostou o homem, ele sim, já bastante quente.
E mais quente ficou quando se chegou ao fogão e sentiu a mulher a encostar os seios ao seu corpo.
- Que maravilha! – disse, não retendo um suspiro.
Mas a Carmen era totalmente dada ao serviço da Igreja.
Tirou o copo de Martini das mãos do pároco, bebeu um trago, pousou-o e agarrou-se ao homem beijando-o sofregamente.
O clérigo já tinha sido informado pelo padre Jorge, a quem sucedera, que a mulher fora sua amante durante vários anos e que tinha grande fogosidade, além de outros pormenores úteis. Mas mesmo assim não deixou de ficar surpreendido.
E mais ainda quando ela lhe tocou no membro e disse:
- Tem de aliviar a sua tensão antes do jantar. Venha comigo!
E, positivamente, puxou-o até ao quarto onde o atirou para cima da cama e foi-o despindo com uma sabedoria que deixou o homem a pensar que afinal já tinha alcançado o paraíso.
Depois, desnudou-se ela e colocou-se em posição para ser penetrada.
- Vamos lá, Jacinto! Agora é uma rapidinha para não queimar o frango. Mais logo vai ver como eu também consigo fazer milagres...mas tudo para servir a Santa Madre Igreja.
E soltou uma gargalhada...


publicado por António às 12:50
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De wind a 13 de Dezembro de 2007 às 18:41
Quem soltou uma gargalhada fui eu ao ler esta história de beatas sa santa madre igreja, que tu tão bem contas:))))
Beijos


De António a 13 de Dezembro de 2007 às 18:44
Querida Isabel!
Não te devias rir das devotas como a Carmen que se entregam de corpo e alma à Igreja (e não só...).
ihihihih

Beijinhos


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