Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Quarta-feira, 26 de Agosto de 2009
Verões no Minho, junto ao mar (parte III e última)

As noites de verão eram muito interessantes e foram evoluindo ao longo dos tempos.

Como inicialmente quasi ninguém tinha carta de condução e muito menos carro, eram passadas na conversa, sentados algures, ou a andar de um lado para o outro. Contar anedotas era um passatempo muito comum. Quando havia algum novo veraneante era quasi certo ir à “caça dos gambuzinos” para as dunas. Jogar bilhar livre, ping-pong ou às cartas na Assembleia Ancorense era também habitual. E as sessões de cinema no Cine-Teatro dos Bombeiros Voluntários eram frequentes.
Duas vezes por semana, quartas e sábados, havia baile na Assembleia. Era preciso ser sócio ou pagar a entrada. O salão de dança tinha a forma de um T e encostadas às paredes havia inúmeras cadeiras ocupadas pelas meninas e pelas mamãs, todas elas muito bem vestidas. Também os rapazes se engalanavam com fato e gravata. Na zona mais afastada estava um conjunto a tocar as músicas mais modernas que sabiam, mas também muito tango e muita valsa. Um desses agrupamentos musicais, o Conjunto Alegria, era liderado pelo Quim Barreiros que já primava por ser vocalista e tocar acordeão com gabarito.
Eu lá convidava umas pequenas para dançar. Uma das minhas favoritas era a Laidinha, moça gira e pequenina que se deixava conduzir muito bem. Este estilo durou até meados dos anos 60. Depois, e sobretudo graças à música dos Beatles, os reportórios mudaram. Começou a dançar-se separado e as indumentárias passaram a ser muito simples. Estávamos numa época de viragem na sociedade portuguesa, e não só.
Também as famílias mais finas começaram a deixar de ir aos bailes e estes tornaram-se menos e pior frequentados para tristeza do Barata, o velho guardador de tão estimado espaço.
O facto de estarmos mais velhos e de os automóveis proliferarem, fizeram com que as noites em grupos se convertessem muitas vezes em noites de passeata até onde houvesse festas ou boîtes, como se chamavam as actuais discotecas: Caminha, Viana, Afife eram destinos habituais. A própria Assembleia criou uma pequeníssima boîte no local onde estava uma mesa de ping-pong, numa tentativa pouco sucedida de se adaptar aos novos tempos. Logo a sul de Vila Praia nasceu um interessante espaço com alojamento, restaurante, bar e esplanada, zonas de desporto e muito verde, que funcionava essencialmente de dia: a Sereia da Gelfa.
Cada vez mais a praia de Moledo se foi tornando a mais requintada de toda a zona.
Na área de vivendas havia o seleccionado Ínsua Clube que também fazia os seus bailes de gente fina.
Uma vez fomos vários até lá, já tarde, por isso nos deixaram entrar de borla e, não sei dizer porque carga de água, a rapaziada começou a roubar tudo o que eram troféus, cinzeiros, palamenta, copos, enfim… E viemos todos com esse precioso espólio para Âncora onde o material foi exposto nos bancos do Largo. Eis que surgiu o sempre sensato Décio que não tinha ido a Moledo. Ao ver aquilo e ao inteirar-se da sua proveniência, fez um tal discurso que desde logo ficou assente que tudo iria ser devolvido no dia seguinte. Foi designado um desgraçado para ir de baraço ao pescoço, qual Egas Moniz, levar de volta o produto do roubo. E assim se cumpriu.
Na Assembleia Ancorense havia um grupo que jogava póquer com frequência e com jogadas bem altas: o Samarra, o Marques Mendes (pai do conhecido político do PSD), o Carlos Júlio e um tal Brito eram alguns dos viciados.
 
Obviamente que não podiam faltar os famosos amores de praia (nem sempre enterrados na areia).
Devo dizer que, dentre todas as pessoas que referi, as relações eram muito mais de amizade, companheirismo e brincadeira do que de arroubos mais ou menos amorosos. Que me lembre, só o Tó Enes viria a casar com a Fátima Guerreiro. O Zé Amoedo casou com a Judite, minha prima afastada, mas penso que eram ambos de Monção.
Eu nunca fui muito dado a namoricos à moda antiga. Isso de andar de mão dada, dar uns beijinhos e depois não poder fazer as coisas que me apetecia nunca foi a minha especialidade.
Mas quero recordar aqui a Maria Clotilde, de Lisboa, filha de um empreiteiro natural de Seixas (localidade a norte de Caminha), com quem namorisquei: eu tinha dezassete anos e ela, mais três. Era bonita e com um bom corpo mas, nitidamente, queria apanhar um tipo para casar o que me fez jogar à defesa. No ano seguinte apareceu lá casada e grávida de gémeos. Do que eu me safei, hein?
Dois ou três anos depois conheci as irmãs Fátima e Lurdes. Eram de Oliveira de Azeméis e estavam alojadas em Seixas (outra vez Seixas) na casa da avó.
A primeira era uma morena lindíssima e tinha um corpo muito bem torneado. Pois lá namoriscamos. Fui várias vezes de comboio a casa dela, mas também este amor ficou enterrado na areia.
Era muito novo e ainda não estava minimamente interessado em ter uma relação duradoura. Achava, e continuo a pensar ter razão, que primeiro devia acabar o curso, fazer a tropa e gozar bem a vida. Depois pensaria em arranjar uma mulher para o resto da vida. E assim aconteceu…
 
Durante vários anos realizou-se um torneio de futebol de salão.
A equipa vencedora era sempre a do Iogurte Veneza, patrocinada pelo Luis Rodrigues, mas lembro-me das dos Barocas, do Américo Henrique e sobretudo da Casa das Malhas, patrocinada pelo Cerqueira de Braga, que só participou uma vez, mas de cujo plantel eu fazia parte com o Álvaro Baixinho Filho, o Flautas, o Quim Barreiros e mais alguns, tendo o Álvaro Meira como treinador. No primeiro jogo ganhamos 3-2 e eu marquei dois golos. No segundo apanhamos 5-0 ou coisa parecida. Entretanto, e dado que o piso era pouco regular, de terra batida e propício a ferimentos, o meu pai proibiu-me de jogar temendo que me magoasse. E assim terminou uma carreira que talvez me levasse ao Real Madrid.
 
Esta fase dos meus verões em Vila Praia de Âncora terminou em 1972.
No ano seguinte, já na Armada, fui lá passar uns dias em Setembro.
Em 1974 e 1975 estava em África.
Voltei no ano imediato.
Já tinha vinte e sete anos e a maioria da malta do período sobre o qual já muito escrevi atrás tinha desaparecido ou fazia uma incursão de um ou dois dias, alguns já casados e com filhos.
Meti-me em novo grupo com a Emília (Mila), a irmã Alda e mais moças de Valença, Monção e Melgaço, da simpática galega de nome Eva (a Evita) e dos seus irmãos. Uma delas, cujo nome não recordo, tinha um amor sem limites pelo Mário Pedra de que já falei.
Nessa altura pontificava um outro grupo em que se destacavam o Tó Ferreira e o Luizinho Gomes, filho do comerciante com o mesmo nome, e que era visivelmente homossexual. Na época, a homofilia não era encarada da forma permissiva como o é hoje.
Foi também em 1976 que lá apareceu o Jorge Machado. Foi-me apresentado pela minha irmã e estava lá por causa dela, notoriamente.
Eles e uma prima de Valença, a Cila, passaram também a ser companhias assíduas. Casaram dois anos depois, geraram um casal e hoje estão divorciados.
 
Em 1978 conheci duas pessoas do sexo feminino, a Maria Fernanda (da minha idade, divorciada e com um filho que ficara em Leça do Balio com os avós) e a prima Dalila, do Porto, com dezoito anos, que estavam lá pela primeira vez. Com elas costumava andar um rapaz chamado Vítor mas, pouco depois, eu juntei-me ao grupo e, além do convívio na praia, muitas noites íamos no meu Fiat 127 branco (o primeiro carro novo que comprei) a algum local fora de Âncora, não sem antes nos reunirmos no Kitari, um cafezito pequeno mas simpático que entretanto abrira no Largo.
No ano seguinte não fui para a praia pois a 29 de Agosto casei com a Maria Fernanda.
Dessa vez o amor não ficou enterrado na areia.
Depois, em 1980, 1981 e 1982, fui com a minha mulher e o meu enteado, o Mário Rui.
Em 1983 e 1984 já levamos o novo membro da família: o meu filho Fernando Miguel.
No primeiro desses cinco anos estivemos alojados no Hotel Meira e nos restantes dormíamos no andar da Tia Bela da rua do Sol Posto e comíamos no restaurante da Tilde, o Atlântico, na rua Cândido dos Reis.
 
E nunca mais passei nenhum verão em Vila Praia de Âncora…             


publicado por António às 14:26
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24 comentários:
De trigonometria a 9 de Setembro de 2009 às 21:33
... não volte a essa praia... (Só se for em passeio, claro).
A vida é feita de etapas e, certamente, novas praias de âncora surgiram...



De António a 9 de Setembro de 2009 às 22:12
Obrigado pelo comentário!


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